Domingo, 05 Mai 2024

Esfacelamento de um território

A Vila de Itaúnas localiza-se no norte do Espírito Santo, no município de Conceição da Barra. Sua história resulta da ação dos ventos e da movimentação da areia. O longo processo de soterramento da primitiva vila deu origem a um povoado, a vila nova de Itaúnas. A antiga vila encontra-se soterrada por dunas, de beleza excepcional, tendo sido tombadas como monumento natural em 1986 pela Resolução 08/86 do Conselho Estadual de Cultura. Em 1991, foi criado o Parque Estadual de Itaúnas (PEI),. objetivando maior proteção da área. Em 1992, a Unesco chancelou as áreas de proteção da Mata Atlântica, incluindo o PEI como Patrimônio Natural da Humanidade.

Para além de sua rica paisagem, Itaúnas preserva as manifestações culturais do Ticumbi, do Alardo, do Jongo, dos Reis de Bois, e da Capoeira, realizadas na festa de São Sebastião e São Benedito. O Ticumbi é uma manifestação encenada há mais de 300 anos, de origem africana. É considerada uma referência cultural e celebração festiva afro-brasileira específica do Espírito Santo. 

Os festejos possuem vínculos seculares com o território. A área de vizinhança da Igreja de São Sebastião de Itaúnas é território de memória e de histórias. Em seu chão estão as marcas da cultura e expressões identitárias, patrimônio imaterial do Espírito Santo. As territorialidades das festas são suportes físicos das relações sociais tradicionais.

O projeto desenvolvido para a área da vizinhança da Igreja de São Sebastião rompe com o tecido histórico e suas múltiplas territorialidades. Um projeto para uma área de excepcional valor cultural envolvida em singular riqueza paisagística deve considerar a priori esse chão como um patrimônio territorial. Esse locus da cultura secular de Itaúnas é vivenciado e partilhado entre a população tradicional por meio de símbolos e significados reveladores de um patrimônio cultural fincado nos saberes e fazeres das celebrações.

Desta forma, o projeto para o entorno da Igreja de São Sebastião deve considerar seu valor intrínseco, o de território festivo carregado de um poder e de um fazer. O design deve permitir que as estratégias de permanência e sobrevivência dos diferentes grupos sociais, com práticas planejadas e articuladas pelos seus sujeitos, deem continuidade histórica aos fenômenos culturais. O projeto deve ser elo, não ruptura. Deve integrar camadas de história presentes no território e não esfacelá-las.

Luciene Pessotti é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Estado (DAU/Ufes) e vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Espírito Santo (IAB-ES).

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Comentários: 1

Enio Ardohain em Quinta, 25 Abril 2024 08:56

A autora afirma que "O projeto desenvolvido para a área da vizinhança da Igreja de São Sebastião rompe com o tecido histórico e suas múltiplas territorialidades" sem explicar como e porque.
Cita explicitamente o Ticumbi para justificar sua análise e, no entanto, desconsidera que a manifestação de mais de 300 anos acontece independente do tipo de piso que há nas praças onde se apresenta.
Seria justo explicar de que forma acontece essa 'ruptura' apontada sem indícios.
A comunidade de Itaúnas, incluindo boa parte dos brincantes, quer a revitalização da praça. Seria pertinente ouvir os membros dos grupos antes de ir à Imprensa falar em nome deles.

A autora afirma que "O projeto desenvolvido para a área da vizinhança da Igreja de São Sebastião rompe com o tecido histórico e suas múltiplas territorialidades" sem explicar como e porque. Cita explicitamente o Ticumbi para justificar sua análise e, no entanto, desconsidera que a manifestação de mais de 300 anos acontece independente do tipo de piso que há nas praças onde se apresenta. Seria justo explicar de que forma acontece essa 'ruptura' apontada sem indícios. A comunidade de Itaúnas, incluindo boa parte dos brincantes, quer a revitalização da praça. Seria pertinente ouvir os membros dos grupos antes de ir à Imprensa falar em nome deles.
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