Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, candidatos a prefeito de partidos variados já aderiram à IA para compor jingles que ecoam pelas ruas e redes sociais. Essa inovação não se limita ao Brasil. Nos Estados Unidos, a IA já havia sido utilizada em campanhas anteriores, criando jingles que replicavam estilos musicais populares, visando aumentar o engajamento com o público jovem e os eleitores indecisos.
A adoção da IA para a criação de jingles representa uma tentativa de revolucionar a comunicação eleitoral, oferecendo uma produção rápida e barata de conteúdos sonoros, no entanto, essa prática também levanta preocupações quanto à qualidade do material produzido e a possível homogeneização das mensagens políticas. O “slop digital” – termo usado para descrever a produção massiva e de baixa qualidade de conteúdos gerados por IA – é uma ameaça real para a autenticidade e a diversidade musical, que sempre foram marcas registradas das campanhas políticas.
Com o uso de IA, surgem desafios legais e éticos. A resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 23.610/2019, por exemplo, exige que o candidato informe, “de maneira explícita, destacada e acessível, que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e que tecnologia foi utilizada”. A questão é se a IA, ao gerar novos jingles, pode inadvertidamente reproduzir melodias ou estilos reconhecíveis, violando essas regras. Além disso, há o risco de plágio, pois as ferramentas de IA baseiam suas criações em vastas bases de dados de músicas existentes.
O conceito de “slop digital” destaca uma consequência preocupante da adoção massiva de IA na produção de conteúdos: a inundação do espaço midiático com materiais de baixa qualidade. Na esfera política, essa prática pode diluir a autenticidade e o impacto dos jingles eleitorais, que historicamente desempenham importante papel na conexão emocional com os eleitores. A saturação de músicas geradas automaticamente pode levar à banalização das mensagens políticas, tornando difícil para os candidatos diferenciarem suas campanhas de forma significativa. O uso indiscriminado de IA, para criar jingles, pode até mesmo reduzir a confiança dos eleitores, que podem passar a questionar a sinceridade e a originalidade das mensagens transmitidas, vendo-as como meros produtos de algoritmos em vez de genuínas expressões de intenção política.
Além do debate sobre autenticidade, há o impacto emocional das músicas criadas por IA. Campanhas políticas dependem fortemente de jingles para criar uma conexão emocional com o eleitorado, evocando nostalgia ou inspirando ação. Resta saber se uma música criada por uma máquina pode realmente tocar o coração dos eleitores da mesma forma que uma composta por um ser humano, imbuída de emoções e intencionalidade.
Curiosamente, enquanto a tecnologia avança, alguns candidatos ainda preferem métodos tradicionais, valorizando o toque humano em suas campanhas. Essa resistência revela um ceticismo em relação à capacidade da IA de substituir a criatividade humana, destacando uma divisão entre inovação e autenticidade. Para muitos, um jingle não é apenas uma ferramenta de marketing, mas uma expressão cultural e identitária.
O que está claro é que a chegada da IA aos jingles políticos anuncia apenas o começo de um debate mais amplo sobre o papel da tecnologia nas campanhas eleitorais. O futuro das músicas de campanha, e possivelmente da própria comunicação política, dependerá de como candidatos, reguladores e eleitores responderão a essa nova onda de inovação. O desafio será equilibrar a eficiência e a inovação tecnológica com a preservação da essência humana.
Flávia Fernandes é jornalista, professora e pós-graduanda em Inteligência Artificial e Tecnologias Educacionais pela PUC-MG.
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