A promessa de que a inteligência artificial (IA) substituirá os professores é um conceito que fascina muitos na área da tecnologia. A ideia de bots atuando como tutores incansáveis e onipresentes, capazes de personalizar o ensino de maneira sem precedentes, acena para um futuro em que a educação de qualidade estaria ao alcance de todos. Andrej Karpathy, cofundador da OpenAI, é um dos principais defensores dessa visão. Sua proposta é transformar os bots de IA em especialistas apaixonados por ensinar, disponíveis para qualquer pessoa no mundo, em qualquer momento, mas essa visão futurista tem seus limites.
Apesar do entusiasmo de Karpathy e outros líderes do setor, como Sam Altman e Sal Khan, a substituição dos professores humanos pela IA enfrenta desafios consideráveis. A resistência dos alunos em interagir com máquinas, por mais sofisticadas que sejam, não é apenas uma barreira tecnológica, é uma questão fundamental sobre a natureza do aprendizado. A conexão humana entre professor e aluno é um componente essencial no processo educacional e até o mais avançado bot de IA terá dificuldade em replicar a empatia, a inspiração e a orientação que um bom professor proporciona.
O histórico de iniciativas tecnológicas na educação oferece uma dose de realidade para aqueles que acreditam no potencial absoluto da IA. Modelos como os MOOCs (Massive Open Online Courses) prometiam democratizar o acesso ao conhecimento, mas muitos alunos acabaram desistindo devido à falta de interação humana significativa. Plataformas modernas que utilizam IA, como o Khanmigo e as soluções da Pearson, ainda precisam demonstrar que podem manter os estudantes engajados a longo prazo. Sem a presença motivadora de um professor, essas ferramentas correm o risco de cair na mesma armadilha dos MOOCs: entusiasmo inicial seguido por desinteresse.
Confiar totalmente em bots de IA para o ensino levanta preocupações éticas e de segurança. O uso extensivo de dados acadêmicos dos alunos para personalizar o aprendizado abre portas para questões de privacidade. Informações sensíveis podem ser mal utilizadas ou expostas a riscos de segurança, especialmente em plataformas que operam fora do alcance das regulamentações. Sem uma supervisão rigorosa e transparência, o custo da implementação da IA na educação pode se tornar alto demais.
Outro ponto de atenção é a possibilidade de uniformização do pensamento. Se milhões de alunos aprenderem com o mesmo conjunto de bots, o que acontecerá com a diversidade intelectual? A criatividade e a originalidade, que são frequentemente estimuladas por diferentes abordagens e perspectivas, poderiam ser comprometidas. Um cenário em que a IA dita o conteúdo e o método de ensino de maneira homogênea empobreceria a experiência educacional e limitaria o desenvolvimento crítico, além de reduzir a capacidade dos alunos de pensar fora da caixa.
Enquanto a ideia de aprender com um avatar de Richard Feynman ou Carl Sagan pode soar atraente, a educação não se resume a absorver informações de um único ponto de vista. Ela envolve debates, questionamentos e a troca de ideias, algo que ainda depende fortemente da interação humana. O futuro da educação certamente inclui a inteligência artificial, mas como um complemento e não um substituto para os professores.
A implementação da IA na educação exige uma abordagem equilibrada e cuidadosa. A história mostra que não existem atalhos fáceis quando se trata de ensinar e aprender. Professores humanos trazem uma riqueza de experiências e habilidades interpessoais que as máquinas ainda estão longe de alcançar. A verdadeira revolução educacional não será medida pela quantidade de bots em sala de aula, mas pela qualidade da interação e do aprendizado que conseguirmos promover.
Flávia Fernandes é jornalista, professora e pós-graduanda em Inteligência Artificial e Tecnologias Educacionais pela PUC-MG.
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