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???A grande verdade é que precisamos repensar o nosso modelo de Judiciário???

Nerter Samora/José Rabelo/Rogério Medeiros

Fotos: Apoena/Porã

Após dois anos de gestão à frente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, que deixa o cargo na próxima quinta-feira (19), marcou uma nova relação do Poder Judiciário com a voz das ruas. Apesar da instituição de medidas consideradas inovadoras, como a criação do Botão do Pânico, iniciativa premiada no combate à violência contra a mulher; do painel Torturômetro e da instalação da Vara Anticorrupção, o chefe do TJ capixaba avalia que fracassou em outras áreas.

Em entrevista concedida a Século Diário, Pedro Valls fez um diagnóstico do que viu durante seu mandato e atribuiu a ele uma parcela de culpa pela falta de reconhecimento popular ao próprio Poder Judiciário: “Seria muito fácil ir perante a população e dizer que é só nomear magistrados e servidores, mas iria contra os meus princípios, porque essa não é a verdade. A grande verdade é que precisamos repensar o nosso modelo de Judiciário, o nosso modelo de legislação”.

Pedro Valls cita problemas culturais em várias áreas, que prejudicam uma mudança de patamar do Espírito Santo, do Brasil e da própria Justiça, e defende uma nova reflexão da sociedade em relação ao tratamento dado aos presos e parentes de detentos do sistema prisional. Ele refuta a ideia de que os militantes dos direitos humanos sejam “defensores de bandidos”, assim como o pensamento de que “vale tudo, até mesmo contra os parentes de presos”.

Em relação ao sistema prisional, o presidente do TJES afirmou que se chocou com a prática rotineira de tortura a detentos no Estado. Ele citou o episódio de violações aos direitos humanos, que rendeu a alcunha de “masmorras” para as unidades prisionais capixabas. Pedro Valls também abordou as questões relacionadas ao combate à corrupção e à improbidade, assim como as dificuldades enfrentadas para a isonomia de tratamento entre miseráveis e os poderosos.

– Século Diário: Presidente, valeu a pena?

Pedro Valls Feu Rosa – Valeu, sem dúvida alguma. Foi um pequeno passo na busca de uma mudança de cultura, o Espírito Santo precisa mudar. Não depende de uma pessoa, nem de uma instituição. Mas há uma cultura que precisa mudar, se o Estado pretende se consolidar como aquele que atrai investimentos, diminui o desemprego e gera riqueza para todos.

– Quando senhor assumiu, dos desafios que o senhor vislumbrou, quais avaliou como complicados e acabaram te surpreendendo?

– Eu colocaria dois assuntos que pareciam complicados e, que, na prática, se mostraram mais complicados do que a expectativa. O primeiro deles é a questão da tortura. Eu não fazia ideia do grau, da rotina que a tortura desfrutava no Espírito Santo, isso me chocou. Quando nós implantamos o Torturômetro, os primeiros dias ele era “zerado” de manhã, de tarde e de noite. Isso mostrou uma prática inserida dentro de um contexto cultural. Veja que o nosso recorde foi de 46 dias. Nós vivemos num país em que a presidente da República [Dilma Rousseff] já foi torturada. Mas que após tanta esforço, reportagens da imprensa, tantas denúncias, visitas às cadeias, o nosso recorde ter sido de 46 dias é algo que provoca uma reflexão. Evidentemente, mudar isso é algo que demanda tempo. Mas alguns poucos passos foram dados para que esse tema seja discutido.

– E o segundo assunto…

– O segundo problema que não imaginava ser tão grave é aquele relativo a questões de improbidade e corrupção. Vejo hoje que há uma necessidade no Espírito Santo, que a gente se conscientize de que a lei deve ser igual para todos. Há a necessidade das pessoas perceberam que só os miseráveis estão nas prisões. E dessa discussão sairá, sem dúvida alguma, um ambiente judiciário mais sereno, mais produtivo e mais justo.

– Em relação às torturas, lembro que em seu discurso de posse, o senhor reservou essa questão como um dos desafio da futura gestão. O desembargador utilizou uma expressão de que “precisávamos virar essa página”. Nós conseguimos?

– Nós não conseguimos e estamos ainda longe de virar essa página, e isso me surpreendeu. Ver que toda uma cultura considera aceitável o que se faz de tudo contra certo tipo de gente…

– O senhor quer dizer que a população aceita isso passivamente?

– Isso me chocou! Veja, por exemplo, aquele episodio dos 52 presos que foram sentados sob o cimento quente, alguns dos quais chegaram a ter a carne derretida até chegar o osso. Chocou-me tanto o episódio em si, como o fato de ele ter ficado oculto, escondido, durante vários dias. Só nos descobrimos após uma visita do Bruno [Toledo, chefe de Gabinete do presidente do TJES e militante dos direitos humanos] a uma unidade prisional. Isso choca. Mostra uma questão cultural.

– Na nossa cobertura também nos deparamos com comentários, como, por exemplo, “está com pena [dos presos], leva para a casa”. As pessoas acham que estamos defendendo os direitos dos presos, que não tem de defender…

– Vamos tirar o aspecto espiritual e humanitário? Vamos ficar com os dados concretos. No Brasil, não há prisão perpétua. Essas pessoas, esses torturados, daqui a pouco vão estar na rua, do meu lado, do nosso lado, do lado de nossos familiares. Então é uma questão de inteligência. Não é toa que o índice de reincidência no país chega a 80%. Será que as autoridades não perceberam que estamos enxugando gelo? Isso está errado. Vamos tirar o aspecto cristão, vamos pela lógica, está errado. Confesso que foi uma experiência aterradora constatar o grau.

– Desembargador, podemos considerar que a adoção desse padrão americano nos novos presídios desde o governo anterior, é apenas uma mudança na forma, mas a cultura permanece a mesma. O senhor até relata um flagrante que temos novas denúncias de tortura, a mudança interna ainda não ocorreu? Percebemos que há certa resistência da Secretaria de Justiça (Sejus) e dos órgãos de fiscalização…

 

– Da própria população, e valho-me do seu testemunho de que se “está defendendo bandido”. Essa é uma questão que exige uma mudança de mentalidade profunda. Eu dizia ainda há pouco que o momento de maior realização do meu mandato foi quando um senhora me deu um abraço, no Centro da Vitória, que não conseguia parar de chorar, agradecendo porque tinha ficado livre da revista vexatória [para entrada nos presídios]. Esse foi o momento mais feliz. Já o mais triste foi quando uma mulher me procurou no Tribunal para dizer que a mãe dela, de 92 anos, havia ido visitar o netinho no presídio, que chegando lá, arrancaram toda a roupa dela inteirinha na presença de 50 pessoas, a fizeram agachar e, não satisfeitos, arrancaram a dentadura dela. Duas horas depois ela morreu, de tão abalada que ficou. Isso é triste! E nós, como autoridade, ouvir isso é muito triste. Eu fico envergonhado, como brasileiro, porque no Espírito Santo conseguimos acabar com isso, mas continua no resto do país, e ninguém fala nada. Então, a nossa sociedade está achando que contra parentes de presos também podem fazer tudo. Nós já estamos aplicando uma pena além da pessoa do criminoso, isso é muito triste e ninguém fala sobre isso. O jornal que defende uma mudança de cultura é tachado de defensor de bandido, uma autoridade que defende essa mudança ganha o mesmo título. Que país é esse?

– Há um conjunto nisso aí, a Sejus, Ministério Público, a própria Vara de Execuções Penais…

– Eu coloquei isso às claras logo no início do mandato, quando fizemos um levantamento para mostrar os números para a população. Estava lá o Torturômetro, zerado de manhã, de tarde e de noite. Enquanto isso, tramitava na Justiça apenas 13 processos, inicialmente – 13 processos de tortura no Estado inteiro. Isso mostra uma questão cultural, que tem de ser objeto de debate entre as autoridades constituídas, população, meios de comunicação. É algo que precisa ser amplamente discutido. Eu não consigo conceber que a tortura, praticada às escancaras, tenha resultado em apenas 13 processos, tramitando de forma lenta, morosa. Isso está errado.

– Quando senhor olha esse conjunto dentro da realidade dos presídios, a responsabilidade por essas falhas tem de ser compartilhada…

– Cada um tem sua parcela de culpa, até a população e nós. No Brasil, nos acostumamos a pensar que tudo pode ser feito contra algum tipo de gente. Não é por aí. Se conseguirmos baixar a nossa reincidência para a média europeia [em torno de 50%], quantos assaltos, estupros, homicídios deixarão de ser cometidos? Muitos deles contra a nós mesmos.

– O desembargador falou das boas práticas que precisam ser estendidas para outros lugares. Um exemplo marcado é a questão do enfrentamento à violência contra a mulher. Qual a situação que o senhor encontrou e como deixa essa área?

– Esse foi, em termos de repercussão na mídia, simultaneamente, o meu maior sucesso e, ao mesmo, o meu maior fracasso. Nós conseguimos iniciar algo novo, o Botão do Pânico está se firmando como uma prática inovadora. Por outro lado, o meu maior fracasso. Eu não conseguir levar, e era a minha intenção, aos municípios do interior o atendimento digno e técnico às mulheres vítimas de violência doméstica. Fiz o meu possível, mas não consegui. Não dependia apenas do Tribunal. É de se lamentar, porque o nosso Estado é o campeão de violência contra a mulher. Isso depõe contra o Estado que quer se projetar no cenário nacional. Isso nos envergonha e mostra outra questão cultural. Que lugar é esse onde não se consegue viver civilizadamente até dentro de casa?

– Qual valor que senhor dá para a comenda recebida por esse trabalho de enfrentamento à violência contra a mulher?

– Nesse ponto, eu me permito falar em meu nome e de minha equipe. Inovar é uma coisa que todos pedem, mas é difícil. Há uma frase do jornalista francês chamado Émile de Girardin, que diz “todos falam do progresso, mas ninguém sai da rotina”. A nossa sociedade é reacionária, que é pior do que a conservadora. Criar-se algo novo é, antes de tudo, um risco, é perigoso. Se der errado, fica o arranhão porque ninguém reconhece a tentativa. Há o estimulo, em sentido contrário, para que nada mude. Então quando uma inovação – e eu já passei várias vezes por isso na minha vida, como a Justiça volante, informatização de processo – e a experiência dá certo, é motivo de ânimo e incentivo para toda a equipe. Foi nesse sentido que eu comemorei o prêmio [Innovare, que reconhece as melhores práticas no âmbito da Justiça em todo País] lá em Brasília. E a nossa sociedade é muito inclemente com quem ousa inovar.

– Nesse caso específico do Botão do Pânico, aconteceu algo assim?

– Vou responder de uma forma tranquila. Nós começamos com a Guarda Municipal [de Vitória]. Nós procuramos quem quisesse, a Guarda foi a única que topou participar com a gente de um projeto sem referencia, que não sabíamos se iria dar certo. Dentro de um grande universo de instituições…

– E diante de um tema tão grave no Espírito Santo…

– Pegue os livros de história, o inventor do computador chegou a ser preso, Santos Dumont ficou louco, vários nomes da história foram perseguidos ou tiveram o reconhecimento somente depois da velhice. É uma constante do ser humano, inovar é muito difícil. Esse prêmio em Brasília foi espetacular para a equipe. Veja que a Guarda Municipal, o prefeito [da Capital] Luciano Rezende (PPS) assumiram um risco. Imagine se não tivesse dado certo. Ele foi corajoso, há de se dizer. Quantos outros projetos deram errado? Mas nós temos que arriscar. Eu tenho esse reconhecimento público ao Luciano e Marcelo Nolasco [secretário municipal de Cidadania e Direitos Humanos], quando ninguém sabia o que iria acontecer, eles toparam a briga. Eles têm muito a perder porque são políticos. Eu não sou político, não tenho nada a perder, só a derrota.

– Presidente, senhor destacou ainda a questão da corrupção e da improbidade administrativa. Qual a sua avaliação em relação à 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual [instalada em fevereiro do ano passado pelo tribunal, com o objetivo apenas de julgar ações populares e de improbidade]?

– Existem estados no Brasil onde por mais de 20 anos não se viu uma única sentença em um processo de improbidade. Então, se nós considerarmos essa realidade triste, a 3ª Vara terá sido um sucesso, porque estamos quase na sentença de número 180. Por outro lado, olhando o mundo real, do jeito que deve ser olhado, fica claro que temos um longo caminho a percorrer até mudar uma cultura da impunidade. Todo mundo acha que a lei deve ser aplicada de forma dura, desde que seja para os outros. Todo mundo acha que os atos precisam de reforma, desde que sejam dos outros. Dentro de um ambiente desses, buscar-se isonomia de tratamento é conflituoso. A 3ª Vara foi sim um passo na direção correta, mas isso não me impede de reconhecer esse longo caminho a percorrer até que possa bater no peito e dizer que a lei é igual para todos.

– Há muitas sentenças de casos muitos antigos, ajuizados há dez, vinte anos. Não é muito tempo?

– É muito tempo, eu vejo o ministro Joaquim Barbosa [presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)] colocando como meta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [no qual também preside] os julgamentos de casos de corrupção e improbidade. É muito bom, mas eu me pergunto: que país é esse que precisa colocar como meta para assistir o julgamento desse tipo de processo? Como explicar de uma forma ética e moral que estejam lá nas prisões 99,9% de miseráveis? Iisso está errado. Essa cultura de que algum é mais igual do que outros está errado. Isso é ruim para a economia do Espírito Santo, é ruim para a economia do país. É ruim para a cidadania, cria tumulto nas prisões. O preso brasileiro não se revolta contra a pena – ela é sábia e justa –, mas a revolta é porque só ocorre com ele. Ontem eu vi um levantamento da Controladoria Geral da União (CGU), que analisou 15 mil contratos e encontrou irregularidades – maneira educada de dizer bandalheira – em 80% deles. O que é isso? E ninguém vai preso.

– Durante sua gestão, tivemos várias operações policiais contra casos de corrupção, como a própria Operação Derrama, cujas investigações não foram à frente. O que falta para o combate mais efetivo à corrupção?

– Eu sou proibido por lei de me manifestar sobre caso concreto. Agora falando em sentido amplo, vou bater mais uma vez na questão cultural. Não pode haver em um país que se pretenda avanço, ninguém acima da lei. Não pode haver a cultura de proteção, de favorecimento, à absolutamente ninguém. Neste ponto, um país que tem servido de exemplo é Cingapura. Ninguém pode estar acima da lei. Essa cultura nós precisamos criar aqui no Brasil. Não pode acontecer de corporações ou grupos se movimentarem para garantir a impunidade de A, B ou C. Isso está errado e tem que acabar, é um problema cultural que acontece lamentavelmente em toda América Latina. Um bom exemplo, eu vi no Paraguai, onde aquelas pessoas claramente envolvidas em mal feitos são recusados em shopping centers, restaurantes. Teve um político que foi expulso de uma pizzaria. Eu acho que essa é uma boa prática. Acho que está na hora do povo começar a reagir.

– Presidente, o senhor sempre se indignou com questões que envolvam violação aos direitos humanos, lembro de votos memoráveis sobre o que ocorreu no sistema prisional. Agora que senhor passou pela presidência, tem algum plano de militar nessa área?

– É uma coisa que está em mim. Se eu puder ajudar na cruzada dos direitos humanos, vou ajudar. Não por acaso estou indo para a 1ª Câmara Criminal, onde terei mais instrumentos para continuar essa caminhada de combate ao que está errado, inclusive, na questão dos direitos humanos.

– Nós sabemos de alguns casos, como o senhor citou em um voto, dos presos que foram mortos entre 2006 e 2010, senhor acredita que os responsáveis serão punidos por esses crimes?

– Pela justiça terrena, não. Eu me preocupei, inclusive, em procurar esses processos, mas não encontrei.

– Eles sumiram?

– Eu não os encontrei…

– Então os processos não existem?

– Eu queria deixar claro um ponto: se eu tiver que dar a vida para que o Poder Judiciário funcione melhor, eu darei. Mas isso em momento algum me impede de ser lúcido quanto ao momento que o Poder Judiciário vive. Minha família aguarda há 25 anos por um júri. E não se coloca a culpa disso nas leis, isso é culpa da Justiça. Culpa da covardia, da falta de compromisso, da omissão. Eu falo isso de uma forma clara. O que eu puder fazer para melhorar a instituição que entrei, eu farei. Mas ela tem erros graves, que precisam ser corrigidos. Há quem diga que o problema do Judiciário é de comunicação com as ruas, de marketing. Não é não. Não há marketing que vai convencer os familiares do Padre Gabriel Maier [padre francês morto em dezembro de 1989] de que o processo tramita há 30 anos porque tem de tramitar. Não há marketing que vai convencer a família daqueles torturados, dos assassinados nas prisões, que aquilo tinha que dar em nada. Ou seja, o Judiciário tem sim que, enquanto representante maior do mundo das leis, abrir os olhos para a realidade e se corrigir. Eu tenho acesso a uma pesquisa que apenas 1% do que acontece nas ruas chega ao Poder Judiciário. Significa que, se de repente todos no mundo das leis perderem o emprego, a população só sentirá 1% em sua extensão. Eu arrisco dizer que existimos muito mais por uma questão moral do que prática. Isso é muito triste e precisa mudar. Nós existimos muito mais como fator de dissuasão do que como fator de efetiva operação.

– Como reverter essa questão do Judiciário?

– Não é problema de estrutura. Seria muito fácil para mim dizer que estão faltando juízes. Eu os convenceria, talvez, porque faltam 140 juízes no Espírito Santo. Seria muito fácil ir perante a população e dizer que é só nomear magistrados e servidores, mas iria contra os meus princípios, porque essa não é a verdade. A grande verdade é que precisamos repensar o nosso modelo de Judiciário, o nosso modelo de legislação. Vou começar a explicar, citando um episódio ocorrido em Santiago, no Chile. A partir de um dado momento no tempo, foi multiplicado o número de juízes por quatro. Aguardou-se um prazo de cinco anos e partiu-se para uma nova estatística. Foi concluído que os processos andaram apenas o mínimo mais rápido e que esse avanço não compensou face o aumento de despesas. Daí o Centro de Justiça das Américas cunhou uma frase que eu gosto muito: “Mais da mesma coisa não adianta”. É o caso do mundo das leis no Brasil, mais do que aí está não vai resolver. Se eu nomear 140 juízes e distribuí-los em todo Estado, eu estarei melhorando muito pouco o andamento dos processos. Eu não resolveria nada. Eu fiz uma conta outro dia, se eu quiser colocar o serviço do Fórum de Vitória em dia, eu vou ter de fechá-lo, vou colocar quatro vezes mais juízes que tem hoje e eles levarão cinco anos para deixar tudo em dia, trabalhando oito horas por dia, sete dias por semana. Quando eles acabarem, eu terei uma montanha de processos quatro vezes maior do que está lá hoje. E qual a pergunta que faço: tem solução nesse atual sistema? A resposta é não.

– Então não há uma solução…

– Vamos começar pelo processo criminal, há um ato de corrupção, homicídio, estupro, violência doméstica…  Vai lá a polícia, ouve todos, coloca tudo no papel, envia isso para o Ministério Público, que vai ter o retrabalho de escrever muito do que já está lá. Que vai então enviar ao Judiciário, que vai reescrever tudo que está lá, e pior, vai ter de ouvir todo aquele pessoal. Tem sentido isso? Não tem. Daí as pessoas se perguntam o porquê de um processo de corrupção ter durado oito anos para andar. É culpa do juiz? É culpa da lei, é culpa do sistema, que tem de mudar. Eu sou um grande fã do sistema norte americano, deixa o povo decidir e o juiz apenas conduz a audiência. Eu acho que seria um sistema muito bom para ser adotado no Brasil. Está provado que a figura do juiz, da forma como nós a concebemos, é incompatível com a necessidade do mundo no século XXI.  Eu sou a favor de julgamentos menos burocratizados, mais verbais. Por isso mesmo, mais firmes. Para que haja uma maior confiança nos julgamentos realizados por júris.

– Uma justiça cidadã?

– Eu defendo isso. Acho que o modelo de juiz que o Brasil adota já fracassou no mundo. Veja que o Japão passou a adotar o juiz cidadão para casos que vão muito além do crime contra a vida. Casos graves já são entregues. Os Estados Unidos já adotam esse modelo. O maior tribunal da Europa, que é o Tribunal das Comunidades Europeias, também usa sistema colegiado, que se reúne às portas fechadas, não fica escrito nem como cada um votou. É um tribunal que tem dado certo, dando estabilidade ao continente europeu. Os exemplos estão aí.

– Então, o que ocorre com os juízes dentro desse atual modelo?

– O juiz é um ser humano, tem dia que acorda bem-humorado, tem dia que acorda mal-humorado, tem dia que ele está feliz, tem dia que ele está infeliz, acredito que seja assim também com jornalistas… Só que o jornalista faz uma matéria, que ele depois pode corrigir. O juiz não. Uma sentença pode alterar irremediavelmente a vida de uma pessoa, de uma instituição. Isso que eu defendo, o fim do juiz como nós o conhecemos. Para a pessoa que responde ao processo, o processo é a própria pena. Meu saudoso pai [o ex-presidente do TJES Antonio Miguel José Feu Rosa] dizia que “vingança de índio é enfiar o tacape na cabeça do inimigo, enquanto vingança de branco é entrar com um processo”. Digo eu, que a vingança do branco é muito mais dolorosa, muito pior, muito mais cruel do que a vingança do índio.

– O senhor começou a implementar essas mudanças no Judiciário e as pessoas não estavam acostumadas, visto que era um poder fechado, temido. Em função disso, a classe política começou a ter expectativa sobre uma possível candidatura sua, embora senhor tenha sempre negado…

– Absolutamente, recebi isso como a maior honra, por ser lembrado. Mas desde o inicio deixei bem claro, só quero cumprir a minha parte. Quanto à questão interna do Judiciário, tem uma frase famosa de Benjamim Disraeli, em recado à rainha, “majestade, o povo clama por mudanças, se elas não foram feitas por nós, serão feitas contra nós”. Hoje o nosso serviço público de 20,30 anos, quanto ele mudou. Em alguns casos, para pior, considerado o plano pessoal. É hora de nós fazermos essas mudanças. É hora de nós começarmos, de forma transparente, a ver o que está errado e começar o processo de discussão e correção. Não adianta falar que está tudo bem, que é falta de juiz ou estrutura, de maneira nenhuma.  Vamos colocar o dedo na ferida, temos um sistema que não funciona bem e precisa ser corrigido.

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