'Central de Espionagem' da Vale investigou até artista plástico
Um documento do Departamento de Segurança Empresarial (Dies) da Vale, encaminhado pelo ex-gerente André Almeida aos deputados estaduais Gilsinho Lopes (PR), Euclério Sampaio (PDT) e Marcelo Santos (PMDB), revela investigação da empresa ao artista plástico e ativista do Movimento Pó Preto no Estado, Filipe Borba. A Vale atribui a ele um desenho anexado em outdoor de apoio à Festa da Penha, no ano passado, que protestava contra a poluição do ar emitida pela empresa.
Denominado “Missão Outdoor”, com data de 13 de abril, o relatório detalha os esforços da área de Segurança para localizar o autor do ato apontado pela empresa como “vandalismo” a um outdoor localizado na avenida Dante Michelini,em Jardim Camburi, Vitória. A Vale recorreu ao Disque-Denúncia e à Polícia Militar, que se colocaram à disposição da empresa e buscaram informações, porém sem sucesso.
O documento relata inclusive a ida dos funcionários da área de Segurança da Vale ao Centro Integrado de Operações e Monitoramento gerenciado pela Guarda Municipal da Capital, para uma tentativa de recapturar as imagens da noite do dia 11 de abril até a manhã do dia posterior. O desenho retrata um homem cheirando pó de minério por um canudo diretamente de uma chaminé ao lado de uma logomarca da Vale e os seguintes dizeres “Pó preto Vale?
“Por volta das 03:18 hs a luz que ilumina a peça publicitária é apagada, provavelmente pelos autores do ataque. Porém, como a câmera mais próxima fica em frente ao Clube dos Oficiais da PMES não foi possível identificar detalhes da ação. A Guarda Municipal se colocou à disposição para colaborar e prometeu intensificar as rondas nos pontos onde a propaganda está sendo feita”, diz o relatório.
Não satisfeita, a área de segurança buscou informações no Hotel Sol da Praia, devido à proximidade com o local do outdoor. As respostas encontradas também não foram consideradas esclarecedoras, até que a própria Vale, segundo o denunciante utilizando seus “meios de espionagem”, descobriu o autor do protesto, em apenas dois dias.
Na época, uma imagem do protesto feito no outdoor da Vale foi publicada em redes sociais, inclusive do artista plástico Filipe Borba, e endereços eletrônicos de movimentos sociais que combatem a poluição do ar no Espírito Santo.
A empresa verificou também a integridade dos demais outdoors. “Além da própria peça ao lado do Hotel Sol da Praia, foram visitados os outdoors na entrada da Terceira Ponte (proximidade da Praça do Cauê) e na Avenida Cesar Hilal (nas proximidades do Posto Marcela), todos sem qualquer alteração física”.
André Almeida, que denunciou prática de espionagem da empresa a funcionários e movimentos sociais em abril deste ano, informa ainda que a empresa somente não processou Filipe Borba devido ao processo eleitoral de 2012. A Vale identificou ligações entre o artista plástico e o articular da Rede Sustentabilidade no Estado, Gustavo De Biase, que foi candidato a prefeito pelo Psol em Vitória. Como De Biase era o único a tratar abertamente da poluição do ar, a empresa teve receio de aumentar seu palanque. Dossiês revelados pela ex-gerente também aponta investigações a De Biase, que recorreu a instituições públicas pedindo apuração das denúncias.
“Qual a motivação de descobrir o artista que colou o seu desenho? Para quê utilizar o pessoal do Disque-Denúncia, da PM e seu pessoal próprio nessa busca de dados? Não sairia mais barato simplesmente limpar o outdoor?”, questiona Almeida no material encaminhado aos deputados.
Aparato do Estado
O documento “Missão Outdoor” foi apresentado ao plenário da Assembleia Legislativa pelo deputado estadual Gilsinho Lopes (PR), na sessão dessa quarta-feira (26). Ele “repudiou veemententemente” a investigação da Vale, que classificou como “arapongagem”, e ainda a disponibilização do aparato estatal e municipal para defender os interesses da empresa. “Utilizaram um míssel para pegar uma formiguinha”, ressaltou o deputado.
Gilsinho criticou ainda a interferência da empresa no 181, serviço de Disque-Denúncia, que tem caráter sigiloso”. O presidente da ONG Espírito Santo Unido Pela Paz (Esupaz), Luiz Dalvi, que mantém parceria com a Secretaria de Estado de Segurança (Sesp) para o serviço, é citado no documento.
“Os manifestantes estão nas ruas, com o grito de ‘acorda brasil’, pedindo a instalação da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] do Pó Preto. Nós também seremos cassados pela Vale? Nós estamos correndo risco de ser investigados e espionados pelo grupo de [Luiz] Sorezini [relações públicas da Vale] e companhia? Não tenho medo”.
O deputado garantiu que irá continuar firmemente no seu objetivo de conseguir as assinaturas necessárias para iniciar a investigação sobre a poluição do ar na Grande Vitória e convocou os demais parlamentares à responsabilidade. “Os que assinaram sabem da sua responsabilidade, o papel desta Casa, e esperamos contar com o PT para dar respostas a esse povo que tenta tirar do cenário quem venha a falar a verdade”.
O pronunciamento de Gilsinho recebeu respaldo do colega de plenário Euclério Sampaio (PDT), que reforçou sua indignação: o Estado dispõe seu aparato para proteção de outdoor de uma transnacional? E o clamor do povo, sem segurança, sem saúde? Dinheiro para proteger a Vale tem”.
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