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Fundação Palmares visita comunidade quilombola neste sábado

Córrego do Felipe reivindica certificação do território, evitando reintegração de posse

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A comunidade de Córrego do Felipe, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo, receberá a visita da Fundação Palmares neste sábado (16), para que seja averiguada a possibilidade de certificação da área. A presença de representantes da fundação já havia sido sinalizada após mobilização contra a decisão do juiz federal Ubiratan Cruz Rodrigues, da Subseção Judiciária de São Mateus, que concedeu à Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) a reintegração de posse do território onde estão localizadas famílias quilombolas.

A Fundação Palmares vai ao local acompanhada da Coordenação Estadual Quilombola Zacimba Gaba, que será representada por João Batista, um de seus integrantes. Ele recorda que a fundação já havia visitado a comunidade, mas a certificação não foi concedida, por avaliar que tratava-se de um território sobreposto a outro, já que a comunidade de Angelim já é certificada e se entendia que Córrego do Felipe fazia parte dela. Contudo, essa questão territorial, informa João Batista, não é muito bem definida.

Além disso, aponta, na primeira vez que a Fundação Palmares esteve na comunidade, foi fruto de uma mobilização “em carreira solo”, ou seja, sem atuação mais ampla do movimento quilombola, incluindo a coordenação estadual, e “sem muita profundidade no tema”. Para João Batista, agora aparecem novas possibilidades, com apresentação da memória e da cultura da região. “Trata-se do local de onde Pedro de Aurora foi expulso na década de 60. Os moradores vão apresentar atividades culturais remanescentes, como a capoeira, e trarão a memória, a história”, ressalta.

Pedro de Aurora, mencionado por João Batista, foi nascido e criado na região. Sua memória permanece viva pelo seu trabalho de preservação da cultura africana por meio da música, em especial o Jongo. Ele é o personagem principal do documentário Mestre Pedro de Aurora – para ficar menos custoso, do cineasta Orlando Bomfim Netto. Durante a visita da Fundação Palmares, serão solicitadas pesquisas arqueológicas, que podem constatar fatos como a presença de resquícios de árvores tradicionais nas comunidades quilombolas, como jaqueira e dendê, além de construções.

Reprodução

A visita da Fundação Palmares foi deliberada em reunião realizada no dia 4 de novembro, da qual participaram representantes da própria Fundação, do Ministério Público Federal (MPF), da Coordenação Estadual Quilombola Zacimba Gaba e da superintendência estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O processo de mobilização contra a reintegração de posse começou assim que os quilombolas souberam da decisão judicial. O agricultor e motorista Renato Guimarães, morador do Córrego do Felipe e bisneto de Pedro de Aurora, afirma que a comunidade acionou o Ministério Público Federal (MPF) e a deputada federal Jack Rocha e a deputada estadual Iriny Lopes, ambas do PT.

Ao todo, 23 famílias habitam o local e, conforme o agricultor afirma, “estão desesperadas”. Ele relata que as pessoas não têm para onde ir e que, por isso, sequer terão condições de levar seus pertences, como os móveis. Renato destaca, ainda, que serão perdidas várias plantações que os quilombolas utilizam para consumo próprio, como coco, banana e mandioca, e também para comercialização, como a pimenta-rosa ou aroeira. No caso desta última, os quilombolas do Córrego do Felipe são referência no plantio.

Histórico de violações

Em sua decisão, o magistrado alega que “a empresa adquiriu o imóvel há mais de 38 anos e sempre exerceu sua posse de forma mansa e pacífica, assim como o possuidor anterior”. Acrescenta que, em 15 de outubro de 2016, “foi constatada pela Vigilância Patrimonial da autora uma invasão efetivada pelos requeridos em parte do referido imóvel, inicialmente em número de 24, que se autointitulam como remanescentes de quilombolas. Desde então, passaram a ocupar indevidamente a área de propriedade da empresa, estando, portanto, caracterizado o esbulho possessório”.

Renato contesta a história narrada na liminar e acredita ser um desrespeito os moradores da comunidade serem chamados de “invasores” no documento, uma vez que as famílias que moram na comunidade estão ali há várias gerações. “Nós não podemos ocupar as terras dos nossos antepassados?”, questiona. A situação, destaca, se assemelha à de quando a Suzano, quando ainda se chamava Aracruz Celulose, se instalou na região, “expulsando os quilombolas”. “Muitos tiveram que ir para a cidade, foram obrigados a mudar totalmente os hábitos de vida”, recorda.

Na retomada do Córrego do Felipe, o protagonista foi o neto de Pedro de Aurora, Benedito Santos Guimarães, o Neguinho, cumprindo o desejo de seu avô, que “sempre manteve o desejo de voltar às suas origens”. Benedito continua agindo em prol da comunidade. Foi ele, por meio da Associação de Quilombolas e Pequenos Produtores Agrícolas do Córrego do Felipe, que acionou o MPF diante da liminar que concede para a Suzano a reintegração de posse.

No Termo de Requerimento, solicitou que seja interrompida imediatamente a ação de reintegração; que o Incra, Fundação Palmares e a cadeira de Antropologia deem “o devido suporte técnico ao entendimento jurídico, evitando, assim, que interesses ocultos prejudiquem a interpretação jurídica do processo”; e que, durante toda a tramitação, a área fique sobre a tutela da Associação de Quilombolas e Pequenos Produtores Agrícolas do Córrego do Felipe.

No documento, é recordado que os quilombolas do Sapê do Norte foram reduzidos a 10%, em pessoas e território, mas ainda lutam pela titulação de suas terras. “Originalmente, o território ocupava uma extensa área entre os atuais municípios de São Mateus e Conceição da Barra e era o lar de cerca de 12 mil famílias, distribuídas por mais de 100 comunidades, expulsas de seus territórios tradicionais por um violento processo de colonização patrocinado pelo Estado, durante o regime militar. A cultura tradicional quilombola foi substituída pelo ‘progresso’ representado por pastos e monoculturas de cana-de-açúcar e eucalipto e, atualmente, resistem no norte do Espírito Santo somente umas 30 comunidades e aproximadamente 1,2 mil famílias”.

Também é resgatada a chegada da Suzano, quando ainda era Aracruz Celulose, pontuando que a empresa trouxe o plantio de eucalipto, “uma cultura nova, que viria a transformar a vida dos agricultores, principalmente aqueles da produção familiar, que induzidos por ganhos momentâneos, terminaram por deixar suas terras em troca do labor oferecido pela Aracruz ou suas contratadas, que durou pouco, e que após o início do processo de mecanização e reorganização da produção, viram estes postos de trabalho serem extintos, deixando milhares de chefes de família, na maioria já idosos, doentes e sem muita qualificação para o mercado de trabalho, no total abandono social”.

Os quilombolas dizem, ainda, que a empresa usou “métodos enganosos e violentos para desalojar nossos antepassados, sem sequer preocupar-se com os graves futuros problema sociais, que agora herdamos e não temos a intenção de transferi-los para nossas gerações atuais e futuras, pois nossa história, contada por nossos pais e avós, dão conta de que de posse das nossas terras, sempre vivemos uma vida de fartura e de excelente qualidade de vida, preservando nossa cultura, a natureza, produzindo e sustentando a economia local, com produção diversificada e exportação, gerando divisas e novos negócios, até que apareceu esta coisa ilusória, que de forma ilegal e violenta, ocupou nossas terras, envenenou nossos rios e derrubou nossas florestas, não respeitando nem nossas liberdades de práticas culturais e religiosas”.

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