Quinta, 25 Abril 2024

'A entrada do PT no governo do Estado foi muito desastrosa???

'A entrada do PT no governo do Estado foi muito desastrosa???
Rogério Medeiros e Renata Oliveira
Foto: Leonardo Sá/Porã
 
Depois de 11 anos atuando no governo federal, o economista Guilherme Lacerda (PT) encerra seu mandato no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e retorna ao Espírito Santo. Mas adverte: nunca se afastou do Estado, sempre acompanhando a política e a economia capixaba de perto.
 
Nesta  entrevista a Século Diário, ele fala sobre a necessidade de um esforço concentrado de todos os segmentos sociais no auxílio do Espírito Santo em meio à crise internacional e nacional que afeta o Estado, sobretudo, devido à sua vulnerabilidade diante do mercado internacional.
 
Ele fala ainda da entrada do PT no governo do Estado e do debate necessário que o partido precisa fazer com a sociedade na defesa do governo federal e no esclarecimento de vários aspectos sobre a crise que assola não só o partido, mas a classe política como um todo.  



 
Século Diário – Você deixou o Espírito Santo para integrar o governo do PT, onde passou 11 anos. Depois de uma experiência como candidato a deputado federal, está de volta...
 
Guilherme Lacerda – Eu saí do Espírito Santo, trabalhando fora, mas o Espírito Santo nunca saiu de mim, sempre fiquei aqui. Agora, com o término do meu mandato no BNDES, pretendo continuar aqui e ajudar no que for possível o Estado. Ao longo desse período, principalmente nos últimos três anos, procurei sempre ajudar o Estado, seja as empresas, seja o próprio governo – eu fiquei em uma diretoria que cuidava diretamente do relacionamento com o governo do Estado –, seja com as prefeituras. No que pude ajudar, no que diz respeito a projetos, a orientações e alternativas no governo, eu fiz. Fui candidato a deputado federal em 2010, tive quase 40 mil votos, decidi não ser candidato em 2014, mas procurei honrar cada apoio que tive aqui, sempre me dedicando à boa causa no Estado.
 
 – Por que não disputou em 2014?
 
– Porque eu estava em uma etapa de conclusão do trabalho, tinha de terminar o mandato, e também entendia e entendo, como se confirmou, que tínhamos bons nomes aqui. Isso não quer dizer que eu não venha a me candidatar um dia. Foi uma experiência muito boa, muito gratificante. Em 2014 tivemos no Estado, apesar das dificuldades em âmbito nacional, pela primeira vez, dois deputados federais de boas referências, o ex-prefeito de Cariacica Helder Salomão e o ex-vice-governador Givaldo Vieira. Nós não podemos desconsiderar que o quadro político nacional é muito difícil para um partido que está no poder há 13 anos.
 
– Há uma fadiga de material em relação ao PT.
 
– Sim. Uma série de aspectos que afetam a situação do partido. Há um movimento muito forte de segmentos e setores que nunca gostaram e nunca aceitaram o PT, principalmente da grande mídia e de setores sociais do Brasil e aqui no Estado isso ganha muita relevância. Há aspectos que precisam ser repensados  da forma de fazer política. Eu penso que a política precisa ser repensada por completo. Há um distanciamento da sociedade civil, do cidadão, para com a política. Há uma indignação profunda, uma descrença, há um baixíssimo entusiasmo. Há muita manifestação nas redes sociais dos jovens, de donas de casa...os partidos políticos não representam a sociedade como deveriam. Os representantes não representam seus representados. A reforma política é urgente. Temos 28 partidos em âmbito federal e aqui no Estado um leque menor, mas também muito grande na Assembleia Legislativa. Isso é uma coisa difícil de administrar dentro de uma discussão programática, uma discussão de ideias. 



 
– E como fica o PT nessa história?
 
– O PT está na periferia do poder no Estado, desde o governo Vitor Buaiz. Hoje está na periferia, da periferia, da periferia. Não é porque ele está lá hoje com um representante no governo, que está participando do governo efetivamente. Penso que a entrada do PT no governo do Estado foi muito desastrosa. Foi um movimento de perde e perde. O PT perdeu e o governador acho que também perdeu. O PT efetivamente não se reconhece no governo, foi apenas a principal liderança que nós tínhamos, mas não foi uma coisa bem discutida. Outra coisa que eu penso é que nós todos, independentemente de partidos, precisamos ajudar o Espírito Santo. A situação da economia mundial, nacional e estadual não é fácil. Precisamos ajudar como puder o Espírito Santo. Ajudar o governador, a Assembleia, as empresas e todos os movimentos do Estado. Penso que o Estado é muitas vezes injustamente tratado em âmbito nacional, inclusive pelo governo federal, mas acho que a classe política do Estado deixa a desejar, poderia fazer movimentos mais efetivos, de integração. 
 
– Essa é uma velha cantilena do Espírito Santo. O Estado é discriminado, o Brasil não dá ao Espírito Santo o que o Espírito Santo dá ao Brasil, temos uma bancada pequena...mas não vemos nenhuma liderança com peso, no Congresso Nacional, para cobrar isso de forma efetiva, não é?
 
– Eu concordo. Ficar apenas lamuriando, lamentando, isso não é uma boa política. Eu reconheço que o Espírito Santo precisa ser mais valorizado em todos os seus quadrantes, agora é preciso também que os representantes que nós temos atuem com mais proatividade. Não é apenas criticando, em uma posição frontal, mas também não é ficar só com o pires na mão. Faz parte da atividade política fazer essa interlocução, esse diálogo efetivo. 
 
– Uma das grandes deficiências do Estado sempre foi elaborar projetos para captar recursos. Como esteve no BNDES, lidou com essa dificuldade. O Estado melhorou nesse quesito? 
 
– As prefeituras melhoraram muito de um modo geral no Brasil e no Espírito Santo. Melhoraram seu modelo de gestão, mas ainda encontram muitas dificuldades. Acho que é a profissão de mais alto risco. Mais arriscado que trabalhar em plataforma é a profissão de prefeito. E estou falando de um prefeito que queira trabalhar com correção, com ética. Se impõe ao prefeito uma série de obrigações, exigências legais, e ele não tem nenhuma condição de cumprir. 



 
– Os prefeitos estão sempre pressionados e, muitas vezes, são criminalizados por não conseguirem se adequar, mas em boa parte das vezes não é má-fé e sim despreparo...
 
– As exigências para se fazer projetos e viabilizar as receitas são muito complexas no Brasil. O Brasil é um país de controles, sem transparência e sem eficácia. Cria-se estruturas de controles, gasta-se muito recurso com a atividade meio, e poucos recursos com a atividade fim. E temos de olhar o aparato de Estado não apenas no Executivo, mas também nos legislativos – municipais, estaduais e federais –, no Judiciário e ainda as outras unidades que compõem o Estado, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas, que têm, inclusive, dotações orçamentárias, têm participações efetivas e crescentes nas receitas nas unidades da Federação. No governo anterior, inclusive, geridos por secretários que lá estavam e estão hoje no próprio governo, foram tomadas algumas medidas para que alguns fundos pudessem apoiar os municípios, porque o Espírito Santo teve um impacto muito grande em suas receitas. O governo anterior montou isso junto com a Amunes [Associação dos Municípios do Espírito Santo] e as prefeituras. Temos que encontrar maneiras de ajudar os municípios. A situação dos estados também não são folgadas, mas a situação dos municípios, que é lá na ponta, acaba sendo pior. 

 
 
– Mas isso acontece porque não há autonomia, não é? É aquela história do pires na mão, que serve para toda as instâncias.
 
– No caso do Espírito Santo, teve a alteração do ICMS, o fim do Fundap [Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias] e tem essa dependência muito grande do comércio exterior, das commodities e do complexo do petróleo e gás. Com os problemas do mercado internacional, isso afeta diretamente o Estado. Por isso acredito que o Espírito Santo precisa urgentemente fazer um esforço de diversificar sua economia, trabalhar projetos que aumentem seu valor adicionado, de buscar inovação em suas cadeiras produtivas. Aqui tem muitos segmentos já com estruturas, outros não. Esse é o papel mais importante a ser desenvolvido no Estado, é fazer essa integração. Precisa aproximar as empresas, dar a elas as possibilidades de crescer dentro de uma cadeia de relacionamentos. Acho que o Espírito Santo precisa disso para ficar menos vulnerável.    
 
– Saindo do economista para o político, como prevê o PT nas eleições de 2016 no Estado? Há prenúncios de que terá dificuldades. Os meios preveem a eleição de Helder Salomão em Cariacica, mas o prognóstico não é bom para Cachoeiro de Itapemirim, Colatina e Vitória. 
 
– Nós temos de fazer um esforço muito grande de olhar para as pessoas, olhar nos olhos de cada um, dialogar com muita humildade e buscar fazer os esclarecimentos necessários. Temos de reconhecer também as distorções e problemas que existem. O que mais me incomoda hoje no Brasil é um ódio latente convivendo nos grupos sociais e no nosso cotidiano. Aquilo que Sérgio Buarque de Holanda disse do homem cordial, estou percebendo que o homem cordial do Sérgio Buarque está sufocado pelo que vem acontecendo. Isso é determinado pela política e pela forma de organização da sociedade, que é muito desigual. O que temos hoje é fruto do comportamento de nossas elites. No que tange, especificamente ao PT, nas práticas políticas, éticas, de combate à corrupção, é preciso que encaremos isso de frente. Precisamos corrigir rumos dentro do nosso campo e dentro de todos os partidos.  



 
– Mas a próxima eleição é municipal e o principal meio de comunicação com eleitor, apesar de todo o avanço tecnológico, ainda é a TV...
 
– Mas não deveria ser, deveria acabar com isso. 
 
– Na eleição municipal, o programa que é veiculado é apenas do município que tem geradora, no caso do Espírito Santo, Vitória, Vila Velha, Cachoeiro, São Mateus e Colatina; e em muitos municípios ainda tem a presença da parabólica, que não transmite a programação local. Como fazer essa defesa do partido e essa interlocução com o eleitor? 
 
– Essa não é uma questão apenas do PT, é um problema que atinge a todos. A reforma política, no que diz respeito às coligações proporcionais, é uma coisa que já deveria ter acabado há muito tempo, porque é o que eu disse anteriormente, hoje o representante não representa aqueles que o elegeram. Há um distanciamento profundo da política, há uma antipatia, e é por isso que acabam surgindo outras formas de manifestação. Mas para organizar a sociedade, definir leis, normas de comportamento e regras, você precisa ter os canais, e não encontramos outra maneira que sejam os partidos políticos. Eu não quero fugir da pergunta, já falei em relação à ida para o governo, mas penso que é preciso mostrar para a sociedade e ouvir também, o que nós devíamos fazer e não fizemos, e o que ajudamos a fazer. O Brasil mudou muito nos últimos 12 anos. É que às vezes a gente esquece como estava.



A situação e delicada hoje, temos um ambiente econômico e político inquietante, mas houve muitas transformações positivas e não se pode jogar isso fora. Muitas reformas foram trabalhadas, tentadas, outras nem tantos. Houve uma reforma da Lei dos Portos, é importante para o Estado. A reforma política não saiu. Mas o PT em 2003 encarou fazer uma reforma previdenciária, iniciou uma reforma tributária. Eu penso que as eleições serão uma oportunidade de fazer esse esforço de dialogar com a sociedade. Se vamos ser bem sucedidos ou não, vai depender de muitos elementos. Mas não pode  trazer toda a discussão só entorno do PT. Temos uma classe política que está muito desgastada. Quanto às prefeituras, penso que temos duas cidades médias com prefeitos. Tivemos a prefeitura da Capital. Tivemos um presidente da Assembleia, no início do governo do presidente Lula. Hoje temos dois deputados federais. Acho que podemos trabalhar com essa disposição de atrair novos partícipes para a política.  
 
– Desde que foi conquistado pelo grupo do governador Paulo Hartung, o PT saiu da rua. O partido tinha essa característica de presença nos bairros, no movimento sindical. Já tem 12 anos que não está na rua. Outra crítica que se fez muito durante a eleição passada foi de que o partido no Estado não soube defender os governos Dilma e Lula. O governo se vendeu sozinho, porque suas lideranças não tinham muitas vezes o conhecimento necessário das ações do governo federal no Estado para defender.
 
– O PT está na berlinda, vocês colocam sempre o PT. Mas são todos os partidos.



 
– Porque está no governo...
 
– Mas não foi só aqui não. Em todo o Brasil o PT precisa se aproximar dos movimentos sociais, ter mais disposição de ouvir o cidadão comum, de todas as classes sociais. É muito ruim você ter apenas referências pessoais, que no entorno delas não tem ideias, não tem distinção de ideias entre as pessoas. Tem de perguntar ao candidato sobre o que ele pensa sobre valores para o cidadão. Isso em todos os quadrantes. Nas questões políticas e econômicas, nos valores das minorias.  As pessoas têm de se posicionar, a pior coisa que existe é a pessoa ser dissimulada e não se posicionar. É verdade que o PT se distanciou das ruas e ele precisa voltar, mesmo que seja muito atacado. Ele tem de ter a capacidade e a humildade de encarar isso de frente e tentar reconstruir. Mas não é só o partido. Quanto à defesa do governo, eu sou testemunha, o coordenador da campanha no Estado, Tarciso Vargas, fez um esforço muito grande de difundir a campanha.



Evidentemente, na hora da campanha, os candidatos vão cuidar de seus projetos e isso às vezes ganha uma relevância maior do que o projeto nacional, isso é verdade. Mas o partido, o coordenador se esforçaram. Inclusive, no segundo turno, houve uma mobilização muito grande, a coordenação fez um trabalho muito bem feito, com limitações, mas fez. Conseguimos uma votação muito significativa no Estado. Teve mais municípios em que fomos derrotados, mas teve uma votação muito expressiva e foi vitoriosa. Perdemos por 156 mil votos, com todas as lideranças contrárias, o governador, o ex-governador, todas contrárias. Foi um momento importante de trabalho, mas isso não significa que temos de nos acomodar. Temos, inclusive, que ajudar a esclarecer a sociedade, independentemente dos partidos políticos. Temos de entender que se o País vai mal, todos vão mal. Não adianta o sujeito da classe alta achar que a empresa dele está protegida, porque se a dele vai bem e a do vizinho dele vai mal, ele está certo, porque tem concorrência, mas quando o País vai mal, todas vão mal. 
  
– Acha que os candidatos do PT vão sofrer desgaste pelo que está acontecendo em nível nacional?
 
– Acho que vamos ter de reconhecer que podemos sofrer, mas temos de dialogar. Temos de enfrentar essa realidade, quem é efetivamente do partido, e admitir que precisamos rever posturas. 
 
– O PT precisa se renovar também?
 
– Muito. Mas como renovar o partido dentro desta quadratura política que temos hoje, desta institucionalidade tão difícil? Aliás, não é só o PT, todos os partidos. 
 
– E o que esperar de Guilherme Lacerda no Espírito Santo. Candidato a algum cargo, vai militar no partido? 
 
– Ajudar, independentemente de estar mais próximo ou não de uma candidatura ou não, todo cidadão tem de ajudar. Temos que colocar o contraditório, temos de informar. Não basta ter visões apenas de ataques, como a gente vê em muitos jornais, com uma nota só para sangrar o governo. Quanto a mim, eu não sei. O homem é o homem e sua circunstância. Essas coisas não são simples. Eu tenho uma ligação grande com Vila Velha. Quis ser candidato uma vez, não tive êxito dentro do partido, foram momentos que passaram, tenho de ouvir os colegas também. 
 
– Mas está à disposição?
 
– Tenho de dialogar com as pessoas, não posso dizer também que não estou. O que eu acho é que temos de ajudar o Estado, os municípios. Na época da eleição temos de ter força para fazer o debate, fazer a crítica, de marcar posição, de divergência. Não pode ser tudo a mesma coisa. Mas depois temos de unir e fazer o melhor pelo Espírito Santo e, a partir daí, ver se o Espírito Santo ganha, inclusive, dentro de seus valores, mais presença na política nacional. 

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