Sexta, 19 Abril 2024

Nada será como antes

Nada será como antes

A dívida de R$ 400 mil com gastos de campanha do candidato a prefeito de Vitória Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) não é má gestão. A de quase R$ 200 mil de Luciano Rezende (PPS), idem. As cifras são da primeira parcial da prestação de contas apresentada na quarta-feira (1) à Justiça Eleitoral e confirmam algo que já estava no ar.



Nesta segunda-feira (6) completa-se um mês de campanhas liberadas. Nem parece. Nos últimos 30 dias, vimos um carro adesivado aqui, uma perua barulhenta ali, e só. As movimentações ainda estão tímidas na disputa por prefeituras e câmaras. O pandemônio característico da festa da democracia ainda não deu o ar da graça.
 
A timidez tem explicação. Falta ele: o dinheiro. Ok, os candidatos estão aí, caminhando nos bairros, visitando feiras, presenciando cultos, beijando crianças. Mas por ora não podem ir muito além disso, faltam personagens fundamentais nesse enredo. Raciocinem: se falamos em campanha, falamos em dinheiro. Se falamos em dinheiro, falamos em financiamento de campanha. Se falamos em financiamento de campanha, falamos em... grandes empresas. Bingo.
 
Nas eleições da última década (as estaduais de 2002, 2006 e 2010 e as municipais de 2004 e 2008) estabeleceu-se uma estreita relação entre o governo estadual e as transnacionais fixadas em solo capixaba. Estas são sempre as mesmas: Vale, ArcelorMittal, a ex-Aracruz Celulose (atual Fíbria) e Samarco.
 
Nossas respeitáveis poluidoras foram mães benevolentes para os candidatos. Não todos, claro; apenas a uns poucos eleitos. As isenções do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em que entram os créditos fiscais, explicam tanta bondade. A Lei Kandir desonerou a atividade exportadora, mas manteve os créditos inerentes a ela. A empresa não paga ICMS, mas tem direito aos créditos que ela gera (uma espécie de assalto aos cofres capixabas).
 
Aos créditos fiscais somam-se os benefícios impublicáveis na área ambiental - vejam-se a substituição de áreas agricultáveis planas por extensas plantações de eucalipto, a emissão mais que tolerada de gases poluentes, o pó de minério que invade os pulmões e varandas de Vitória.
 
Quando a mecânica dos créditos fiscais se juntou à dos agrados ambientais, o que foi concebido? Alívio e despreocupação. Dinheiro não era problema. O ex-governador Paulo Hartung trocou mimos fiscais e ambientais por financiamentos de campanha. Daí vinham os recursos com que Hartung adubava suas mais diletas candidaturas, seja para prefeito, seja para deputado.
 
Assim PH traçava um mapa eleitoral com os principais municípios e fazia valer sua geopolítica. O estratagema foi seu grande trunfo. Lá todos queriam ser amigo rei: ele detinha as chaves do cofre.
 
Exemplo. O tédio e a falta de grana também marcaram os primeiros dias das campanhas de 2008. Contudo, diferente de hoje, havia uma esperança: uma prometida ajuda do então governador. Os candidatos mais afinados ao Palácio Anchieta aguardavam a intercessão de Hartung junto aos grandes empreendimentos.
 






E assim deu-se. Em 2008, foram irrigadas as principais campanhas: em Vitória, João Coser recebeu R$ 140 mil (Aracruz Celulose, R$ 80 mil; ArcelorMittal, R$ 60 mil; Flexibras, R$ 50 mil); em Vila Velha, Neucimar Fraga recebeu R$ 120 mil (Aracruz Celulose, R$ 50 mil; Arcelor Mittal, R$ 30 mil; Cepemar, R$ 40 mil); na Serra, Sérgio Vidigal recebeu R$ 60 mil (Arcelor Mittal); em Linhares, Guerino Zanon recebeu R$ 110 (Aracruz Celulose); em São Mateus, Amadeu Boroto recebeu R$ 40 mil (Aracruz Celulose). No mesmo ano, só a ex-Aracruz Celulose desembolsou R$ 600 mil: elegeu 17 prefeitos.
 
Saltando para 2010, isso também ocorreu com o atual governador Renato Casagrande, cuja campanha recebeu R$ 250 mil da ex-Aracruz Celulose. Essa cota também tem a mão do antecessor de Casagrande.
 
O momento agora é outro. A desaceleração da economia mundial explica em parte a relutância das empresas em, por assim dizer, participar destas eleições. O que ocorreu, principalmente, foi um redesenho da geografia político-empresarial que redundou de certa forma numa fuga de cérebros: nossas transnacionais levaram suas cabeças para os grandes centros político-financeiros do país. Ao Espírito Santo sobraram os membros.
 
Quando a anglo-indiana ArcelorMittal comprou a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), a nova empresa sai do Espírito Santo e deixa apenas seu parque industrial. A sede foi para Belo Horizonte (MG). A Aracruz Celulose foi adquirida pela Votorantim e a sede transferiu-se para São Paulo (SP), onde faz sua vida política e financeira.
 
A cabeça da Samarco também zarpou para a capital mineira. A Vale fixou-se há muito no Rio de Janeiro (RJ). Há aqui um detalhe: as relações entre a empresa e Espírito Santo eram mais próximas quando Roger Agnelli presidia a mineradora. Até o Grupo Coimex, que lida com comércio exterior, entrou na onda: virou Cisa Trading e agora opera em São Paulo (SP).
 
E assim lateja e fustiga uma dúvida nos corações e mentes: quem vai bancar as campanhas? A falta de dinheiro era de se prever.
 
Hoje o poder empresarial no Espírito Santo concentra-se na Petrobrás. A suntuosa sede erigida às margens da Avenida Nossa Senhora da Penha, em Vitória, não se limita a uma demonstração de arrojo arquitetônico. É antes uma manifestação de força e poder. A gigante brasileira do petróleo depende de muitos parceiros para tocar suas atividades, razão pela qual ostenta dezenas de empresas em seu entorno, lhe prestando serviços.
 
Quem pode sair ganhando com isso é a candidata à Prefeitura de Vitória Iriny Lopes (PT). O comando da Petrobrás com o PT abre maior probabilidade de receita para ela. A preocupação de passar o pires em outros estados fica para os concorrentes, como o deputado estadual Luciano Rezende, cujo marqueteiro, o premiado jornalista Jorge Oliveira, veio de Brasília.
 
Luiz Paulo Vellozo Lucas também terá de cruzar as fronteiras capixabas em busca de verbas. E já se movimentou para tal: o coordenador da campanha tucana veio de São Paulo. Isso mostra que Luiz Paulo está colando sua imagem a tucanos de nobre plumagem como o governador paulista Geraldo Alckmin e o candidato ao governo José Serra.
 
Os esforços tucanos poderão ser poupados caso a liderança de Luiz Paulo se consolide (hoje cerca de metade dos eleitores da ilha estão indecisos). Nessas condições, ele pode estreitar laços com empresários que atuam em obras para a prefeitura.
 
Sobretudo na Grande Vitória, os candidatos terão que usar a criatividade nessa caça ao tesouro. Os empresários que atuam para as prefeituras, a princípio, se afinam com o candidato do prefeito. Só que, quando a situação não avança, os empresários procuram o favorito.
 
No entanto esses recursos ainda não são suficientes para campanhas de porte, como as dos municípios da Grande Vitória. Aqui entra a dependência do governo do Estado, através das empresas que trabalham para ele. E quem prepondera aí é a figura do governador Renato Casagrande, embora declare que não vá se meter na campanha. Nenhum empresário entra no jogo sem consultar o governador.
 
Apenas um lembrete mui importante. Anotem aí: as condições desfavoráveis não significam que as empresas irão cerrar as portas do cofre. Nada disso. Significa, antes, corroborar a diminuição de uma presença marcante nos últimos pleitos.
 
Dia útil desses aí, uma estrepitosa perua cor vinho, a aparência precária, transgrediu a calmaria de uma pacata manhã de sol na Prainha, em Vila Velha. Passou devagar, pouco se importando com os tímpanos alheios; dos alto-falantes, um grudento jingle se repetia à exaustão. Era um vereador que se vendia aos eleitores.
 
Daí se deduz que: o cara tem carro, combustível e jingle. Até jingle. Por tudo que expomos, ele também tem outra coisa: sorte. Em 2012 a luz não é para todos.

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