Rogério Medeiros e Renata Oliveira
Fotos: Leonardo Sá/ Porã
Aos 29 anos, a professora Camila Valadão tem uma missão difícil para este ano: se contrapor à política tradicional no Espírito Santo e se apresentar como opção para o governo do Estado contra a unanimidade, como uma candidata afinada com os movimentos de junho do ano passado.
Ao lado do advogado André Moreira, ela compõe a chapa majoritária do Psol e tem como palavra de ordem a “ousadia”. Ousadia de ser uma candidata jovem em uma política adultocêntrica, mulher em uma política machista, e negra em uma política racista, como ela mesma afirma nesta entrevista.
As dificuldades, que vão desde a criação de um partido socialista na nova conjuntura mundial à falta de tempo, espaço e estrutura para uma campanha, estão todas discutidas no projeto político do partido para este ano. Para construir um plano de governo que seja uma opção ao ES-2025, a candidata vem fazendo debates com os segmentos sociais para ouvir quais são as principais demandas da população e, assim, levá-las à discussão.
Século Diário – Camila você foi a primeira candidata ao governo do Estado a efetivamente colocar sua candidatura em convenção. Como foi a construção da sua candidatura?
Camila Valadão – O Psol já vinha há algum tempo no processo de construção dessa candidatura, que não é um projeto pessoal, meu. Eu sou militante do Psol há 10 anos. Fui militante do PT ainda muito jovem, sai do PT em 2005, junto com outros militantes. A partir de junho do ano passado, temos a impressão de que a conjuntura deu uma virada no sentido de termos no Brasil um processo de mobilização, manifestação e questionamento da ordem. Até então, tinha-se a impressão de que estava tudo bem. E a partir de junho do ano passado, começou-se a ter o questionamento desse “tudo bem”.
– Isso deu um fôlego a mais para essa construção de uma candidatura de esquerda?
– Vínhamos discutindo dentro do partido qual candidatura que teria condições de expressar o programa e a forma como o partido se inseriu no processo de mobilização. Nós participamos muito do processo de mobilização, não só aqui no Espírito Santo, mas também em outras partes do Brasil Foi ai que se chegou ao meu nome. Temos uma candidatura jovem, feminina, para representar o partido nesta eleição. Fizemos todo um diálogo interno até chegar ao meu nome.
– Havia o seu nome e o do advogado André Moreira, mas não se sabia quem disputaria o governo e quem disputaria o Senado. É isso?
– Isso. A filiação de André foi muito importante, nos deixou muito feliz. André entrou no partido no ano passado. Havia um grupo que achava que ele deveria ser o candidato ao governo. Mas eu não tenho idade para disputar o Senado. Então, foi a esse acordo que chegamos, partindo do perfil. André é do direito, então domina bastante essa pauta jurídica, transita muito bem nessa pauta legislativa, inclusive se contrapondo ao que temos hoje em termos de bancada no Senado: Magno Malta [PR], Ricardo Ferraço [PMDB], o próprio candidato agora, Fabiano Contarato [PR]. Então André se contrapõe muito bem pela história que ele tem com o esse perfil de candidatos que temos hoje. E eu sou mestre em Política Social, então esse debate é algo que eu domino mais. A partir disso, chegamos à composição da chapa e estamos construindo essa pré-candidatura juntos.
– E como está sendo feita essa apresentação de vocês para a população?
– Estamos em um momento de fechamento de chapas, fizemos a convenção. A chapa está praticamente composta, mas faltam ajustes para fazer, sobretudo à quota de 30%. Eu tenho sido firme no sentido de dizer que vamos cumprir a quota, mas não vamos cumprir com candidatura laranja. Se não tiver mulheres o suficiente, que se retirem os homens. Além disso, estamos no processo de construção do programa de governo…
– E esse é um ponto-chave. Como será construído o projeto de governo do Psol?
– Estamos fazendo algumas 'rodas de conversa'. São encontros em que reunimos a militância do partido com pessoas dos movimentos e estudiosos para debater temas específicos da construção do programa. Já fizemos a “roda de conversa” sobre desenvolvimento econômico e quem contribuiu foi professor Helder Gomes, da Ufes [Universidade Federal do Espírito Santo]. Fizemos sobre saúde, foi nessa segunda-feira, e quem participou foram os militantes do Fórum em Defesa da Saúde Pública do Estado, que tem se articulado em favor dessa pauta, e a professora Fabíola Xavier, da Ufes e que, inclusive, lançou recentemente um estudo sobre comunidades terapêuticas e a política de prevenção de drogas no Estado. Estamos neste momento de empenho de diálogo com os diversos setores para a construção do programa de governo.
– E o contato direto com a população?
– Nossa estrutura é pequena, os espaços na mídia também é são pequenos, embora nos últimos dias, tenham se aberto um pouco, pelo fato de ser a primeira candidatura. Mas temos utilizado muito, como forma de divulgação, as redes sociais, que é um espaço que pretendemos utilizar bastante.
– Um espaço que seus prováveis adversários não dominam.
– Esse é um espaço que já ocupamos há algum tempo. Já estamos inseridos, não é de agora. Não só do instrumento, já temos uma rede de contados, pessoas e formadores de opinião.
– O Brasil vive um momento especial, em que as redes sociais, verbalizadas pelas ruas, coloca uma pauta difusa de demandas, que não passa pelo processo ideológico. Se há um segmento que pode apresentar candidatos para as redes, são vocês. No entanto, há uma discordância entre o que o Psol virá defendendo, algo mais politizado e de esquerda, e as redes, que não são politizadas. Podem se politizar no processo, mais ainda não são. Como vão se portar diante desse quadro? Vocês não vêm para ganhar, mas também não é só para marcar espaço…
– A gente veio para ganhar, sim… consciência. Votos também, mas consciência, sobretudo. Acho que esse é um diferencial de nossa campanha. Ela se pretende pedagógica, no sentido de assumir algumas pautas, que os políticos tradicionais não assumem porque estão com a pesquisa de opinião do lado. Fala aquilo que convém. Não temos rabo preso com ninguém. Não temos medo de falar absolutamente nada. Com muita convicção em algumas pautas que consideramos muito importantes. Acho que depois da jornada de junho, com algumas coisas que eram consideradas muito radicais, tenho a sensação de que as mentes estão mais abertas.
– Mas as pautas das redes sociais são totalmente divergentes de qualquer ideologia. Você vai para uma eleição de governadora e não tem tempo para trabalhar isso. Ou você dialoga com os interesses da rua ou não terá tempo para fazer uma construção mais profunda.
– O nosso objetivo é dialogar com os interesses da rua. A ideia é de mais direitos e mais liberdade, um dos eixos que estamos colocando no programa de governo, também. A lógica é perversa. Em junho passado se criticava a política convencional, os partidos políticos, com a negação dessa institucionalidade. Íamos para a rua com muita tranquilidade para dizer que também criticávamos a política como estava. E o nosso desafio é participar deste processo, que no nosso ponto de vista não é nada democrático, ao contrário, mas criticando essa lógica como está, o que acaba sendo uma contradição. A gente participa do processo, criticando como ele é em sua essência. Esse é o desafio.
– A questão ideológica se coloca em xeque em nível planetário. No Brasil temos a questão do PT, mas temos a Rússia, e essas contradições colocaram a população em questionamento desses conceitos de direita e esquerda…
– O Psol vive um momento difícil, que é construir um partido que se pretende socialista nesta nova conjuntura. Colocamos no nome do partido “Socialismo e Liberdade” justamente para reafirmar que a construção do socialismo tem de ser com liberdade. Também passa por uma crítica pelo que virou a União Soviética. Então, o socialismo que a gente reivindica não é o socialismo da União Soviética. No Brasil, participamos – eu menos, porque era muito jovem -, mas meus familiares, amigos, colegas da construção do PT, que se modificou completamente. Construir um partido socialista hoje é muito mais difícil do que foi na década de 1980, do que foi a construção do PT. Então, desde a fundação do Psol, nós sabíamos das dificuldades que seria construir aquele partido. Primeiro, porque ele não nasce em um momento de ascenso, nasce em um momento de traição do PT, nasce em um momento de decepção da população com a política. E hoje as pessoas estão desacreditadas.
– Há uma situação mais complicada. Essa decepção com a política gerou o que é inclusivo perigoso. Pessoas que defendem ideias, que acreditávamos que não caberiam mais na sociedade atual, estão surgindo de forma muito forte. Grupos de extrema direita, que defende a ditadura, a recriação da Arena. Então o debate político parece ser ainda mais complexo.
– Dizemos que estamos em uma época da defesa do óbvio. Alguns criticam a palavra 'resistência', porque resistir pressupõe não avançar. No entanto, resistir hoje é importantíssimo. Temos que resistir em relação a direitos que já foram conquistados, como o direito à manifestação, o direito à mobilização, o direito à greve. Esse é um debate que queremos trazer para as campanhas, tanto ao governo quanto ao Senado. O direito mínimo de lutar por melhores condições de vida tem sido contestado no Brasil. Todas as greves têm ido para o Judiciário, para que seja decretada abusividade. Ou seja, se a gente recua nesses que são instrumentos que a classe conseguiu avançar no mundo, entra em um processo antidemocrático. Eu me pergunto: até que ponto o que vivemos hoje não é uma ditadura disfarçada? Defender o óbvio hoje é importante e é o que vamos fazer na campanha.
– Voltando para a discussão da pauta do governo. Temos um projeto em vigência no Estado, que é o da unanimidade, que não parece ter sido quebrado nesta eleição, há apenas uma divisão de poder entre os operadores. O projeto, que é o ES-2025, elaborado em parceria com a elite empresarial do Estado, é o mesmo. Então, qual o projeto do Psol, diante deste projeto em vigor?
– Contrapor-se. A eleição é um momento importante para nos colocarmos nos poucos espaços que temos, criticando esse bloco, esse projeto, nos diferentes espaços. Nos movimentos: sindical, estudantil e das diferentes classes profissionais. E na eleição, porque tem aqueles que defendem não participar desse processo, mas temos que participar para criticar, contrapor e também para apresentar propostas que se contrapõem a essa lógica. Por isso, a nossa candidatura não é uma contracandidatura, meramente figurativa, porque não se baseia na pura denúncia. Estamos empenhados na elaboração de propostas concretas. Uma delas é levar para os debates a pauta dos movimentos, não no sentido de roubar essa pauta, mas cobrar no processo eleitoral.
– A política que se coloca até aqui no Estado é desenvolvimentista, de internacionalização da economia capixaba, voltada para um segmento. A pauta do Psol é das políticas públicas e sociais. Há algum momento em que esses interesses se convergem no projeto de governo?
– Sim. Não é possível pensar em política social separada da política econômica. No Brasil, a lógica da política social é ela submetida aos interesses econômicos. Se pegarmos o Orçamento, observando o que é direcionado para as políticas sociais, vamos ver que a política econômica dita a precarização da política social, a sua redução, porque 47% do PIB brasileiro são pagos em dívida pública. Você tem o restante do Orçamento dividido entre a manutenção da máquina pública, o que é necessário e o investimento. E se pegarmos cada 'numerozinho', vamos entender porque os espaços urbanos têm população de rua, porque o quantitativo aplicado em habitação é baixo. Veremos porque há tantos jovens desempregados ou encontrando outros rumos para as suas vidas, como, por exemplo, o tráfico de drogas, e querem acabar com o tráfico da forma mais conservadora e absurda, mas não querem investir em educação. A mesma coisa aqui no Estado. Então, pensar em política social é necessariamente repensar a política econômica.
– E essa lógica o partido quer trazer para o debate?
– Aqui no Estado, é repensar a forma como está estruturada a política econômica, rever a política fiscal. Temos visto e vocês têm colocado aqui no Século Diário as matérias sobre os incentivos fiscais: Compete [Programa de Competitividade Sistêmica do Estado], Invest [Programa de Incentivo ao Investimento do Estado], e rever isso para a aplicação em políticas sociais. No Estado nós temos demandas e inclusive reprimidas, como educação, universidade estadual, que a juventude vem discutindo há muito tempo, política de saúde pública, que é extremamente precária, a privatização, terceirização da política de saúde, como o São Lucas e o Jaime [Santos Neves], que já são totalmente terceirizados. É um bom combate que temos pela frente.
– Mas a segurança hoje está na cabeça de todo mundo. Essa é uma discussão que vai dominar a campanha.
– Em relação à segurança, o que se tem no Estado são propostas de fórmulas mágicas para um projeto muito complexo. Queremos trazer para dentro deste debate a discussão em torno da desmilitarização da polícia. É um eixo nacional do Psol, a nossa candidata Luciana Genro terá esse tema na sua pauta e os outros candidatos ao governo do Psol também vão adotar o tema. É obvio que não resolve o problema da violência, mas no nosso ponto de vista, você muda o patamar da discussão, rediscute a segurança.
As discussões em torno das mudanças não cabem ao Estado, então, o André deverá fazer esse debate de maneira prioritária. Mas no âmbito do Estado, vamos chamar no nosso programa a questão da segurança de “medidas desmilitarizantes”. A ideia é tentar pensar uma política pública discutindo a questão do comando da polícia no Estado. É óbvio que isso será casado com um contexto mais global, mas não impede de você fazer a discussão local. E a gente sabe que esse debate não agrada a alguns. Foi feita uma pesquisa pelo Luiz Eduardo Soares, um estudioso da área, que ouviu mais de 62 mil policiais em todo o Brasil e 70% da corporação concordam com a desmilitarização da polícia, entre os praças, não entre os oficiais. Porque eles estão submetidos a uma lógica perversa.
– Como você espera ser recebida, com seus 29 anos, pela classe política e pelo eleitor, disputando com quem está na estrada há tanto tempo?
– A palavra do Psol para essa eleição de 2014 é ousadia. Discutimos isso muito internamente. Por quê? O partido decide em uma conjuntura como esta, que não é a mesma da eleição passada. Acho que há um sentimento de indignação. Se isso vai se expressar em voto pela esquerda, um voto crítico, não se sabe. Você mencionou aqui o surgimento se setores ainda mais conservadores. Então, este cenário de 2014 ainda não foi mensurado. Depois de junho do ano passado, a eleição deste ano vai trazer para todos nós um novo cenário.
Tem candidaturas do Psol em outros estados que estamos assustados de como têm crescido. Temos um candidato no Ceará, ao governo, assumidamente gay, que nunca foi candidato a nada e, nas pesquisas, como pré-candidato, aparecia com 4%. Psol, no Espírito Santo, faz a margem de 1%, é obvio que vamos brigar por muito mais que isso.
E ousadia porque escolhemos uma jovem, na perspectiva de dialogar com essa juventude. A proposta é falar para a juventude porque é o destino das nossas vidas que está em jogo, destino de jovens como a mim, que hoje já não conseguem espaço no mercado de trabalho. Uma política totalmente adultocêntrica, até nos critérios. Participar como uma jovem já é ousadia. Ao mesmo tempo, uma política essencialmente machista. As mulheres não ocupam sequer 10% dos cargos eletivos nos legislativos. Então, ousadia, com a juventude contra uma política audultocêntrica e ultrapassada em suas concepções, feminina e negra, também, porque assumidamente negra, em uma política racista.