Quinta, 25 Abril 2024

Reportagem especialComunista, sim senhor!

Reportagem especialComunista, sim senhor!

     Fotos: Rogério Medeiros

A estampa do primeiro prefeito comunista eleito no Espírito Santo é visceralmente diferente dos principais estereótipos criados para denegrir a imagem do comunista. A começar por ele ser alto, bonitão, elegante, sóbrio no vestir, diferente do padrão depreciativo criado para ser o seu biótipo. E ele também consegue passar ao largo dos demais clichês alinhado nos manuais conservadores com o intuito de desqualificar  politicamente o comunista, como vem ocorrendo ao longo dos anos, sobretudo, no Brasil.   

 
O que, no seu caso, deve  ter contribuído, de alguma forma,  para ter ganho uma eleição num dos mais conservadores municípios capixaba: o de Baixo Guandu, situado acima de Colatina, no Vale do Rio Doce, embora não passe por aí a avaliação dele. Neto circunscreve a força da organização e da disciplina do seu partido,  o PCdoB. Que além de fazê-lo prefeito, elegeu a maior bancada de vereadores: três, num universo de 11, divididos por várias siglas.  
 
O encontro do repórter com ele deu-se na residência dos seus pais, numa das principais ruas da sede do município de Baixo Guandu. Quanto ao personagem em foco, nada transformou-se em novidade para o repórter, a não ser essa inesperada e inusitada vitória. Até porque ele havia se tornado conhecido de Século Diário, devido a uma breve e instigante passagem, na condição de suplente, pela Assembleia Legislativa, quando surpreendeu com ataques corajosos ao então governador Paulo Hartung (PMDB). 
 
E numa época em que a Assembleia era extremamente servil ao governador, quando apenas um deputado fazia oposição, assim mesmo com moderação. Como foi o desempenho, por essa época, do deputado Euclério Sampaio, do PDT. O nosso personagem foi  muito além da moderação do Euclério. Mister ainda lembrar  que nos dois períodos de seu governo, Paulo Hartung foi extremamente temido pelos poderes que amealhou do Judiciário e do Ministério Público Estadual. 
 
Fugindo ao imenso calor de Baixo Guandu, uma das regiões capixabas que menos chove, fui acomodado por ele na residência do pai, com quem mora,  junto ao muro em um improvisado jardim sombreado por uma bela mangueira, formando, caprichosamente, uma imagem fotográfica bem alusiva ao  resultado das eleições: uma escuridão cortada por um singelo facho de luz solar, já que foram necessários mais de 90 anos (o Partido Comunista foi fundado em 1922) para que um comunista conquistasse uma prefeitura no Espírito Santo.  
 
Pois até então, eles eram protagonistas de algumas proezas eleitorais de alguns de seus integrantes, concorrendo, geralmente, em  outros partidos. Até o advento da última Constituição Federal, os partidos comunistas viveram, na maior parte de suas existências, na clandestinidade. Tanto que foi noutro partido que o lendário comunista, Hermógenes Lima Fonseca, elegeu-se vereador em Vitória, com a maior votação da história da Câmara de Vereadores da Capital: sete mil votos, quando eleitorado era de apenas 17 mil eleitores. 
 
Já passamos, a essa altura da reportagem, da hora de revelar o nome do autor dessa única proeza eleitoral de um comunista no Espírito Santo.  Ele é um  jovem advogado de 36 anos, que  já havia passado  por outras breves experiências eleitorais. Houve até um momento em que tentou, como outros comunistas no passado, alcançar a prefeitura, em outra sigla. Foi para o PDT e disputou eleições com êxitos parciais.  Mas logo retornaria ao PCdoB, convencido da necessidade de demonstrar à população de Baixo Guandu que o partido tinha a melhor proposta para governá-la – como alardeou para o  repórter. 
 
Neto Barros é o autor da façanha. Não é um político surgido do habitual improviso que norteia o surgimento de grande parte dos nossos políticos. E muito menos uma aventura vitoriosa com propostas  vazias e irrealizáveis, como ocorre com frequências em pleitos municipais. Ele chegou à disputa em Baixo Guandu com ideologia à frente, indo para o campo da disputa, organizando a população. Em nenhum de seus comícios faltou a bandeira do PCdoB. Como bem assinalou, ela tremulou em todos eles. 
 
Marxista assumido, disse que vai governar como tal e como tal também apresentou-se ao eleitorado contra centenas de panfletos contendo invencionices anticomunistas.   
 
 
É bom também que não se diga que trata-se de um desconhecido. Ou melhor, de alguém sem origem para os 24 mil eleitores que votaram em Baixo Guandu nas eleições em que venceu. O pai, Chico Barros, 74 anos, antes dele, venceu três eleições para a prefeitura. Pertenceu ao PMDB e fala com orgulho de ter sido o 17º que assinou a ata de fundação do partido no Espírito Santo. Pela  veia oposicionista que ainda acredita correr em seu sangue, o pai costuma também "bater" no ex-governador Paulo Hartung. A quem responsabiliza pela destruição do PMDB no Estado.  

 
Em matéria eleitoral, pai e filho,  pelas  circunstância do parentesco, se ajudarem  nas eleições, guardando as discórdias ideológicas para o recesso do lar. Indagado pelo repórter quanto a condição de comunista do filho-prefeito, o pai atenua a resposta, dizendo que se realmente a proposta dele é organizar o povo, respeita. E ficou por aí. O mais foi por conta dos seus mandatos. Na rua, Chico Barros continua uma figura relativamente popular. Mas é comum ouvir-se que ele acumula dois títulos inéditos pelos seus três mandatos: o de melhor prefeito da história de Baixo Guandu e, também, o de pior de sua história, por mais paradoxal que tais situações possam parecer.
 
A mãe também faz política. Já foi vice-prefeita do marido e candidatou-se agora a vereadora. É uma mulher,  aproximando-se da  casa dos 70 anos, que se chama Zilma Zandomênico de Barros. Não elegeu-se, mas ficou com a primeira suplência do seu partido. Tocou sua campanha por conta própria, já que o filho concentrou-se no apoio aos candidatos do seu partido. A fidelidade do filho à mãe ficou também pelo campo afetivo, não transpondo-se, como o caso do pai, para o campo político.
 
A relação familiar também alcança um tio que se tornou em Baixo Guandu uma legenda da valentia. Irmão do pai, se chama Josélio Barros. Vive atualmente no Pará, onde cria boi. É o mais velho dos tios, que conta ainda com dois médicos, um deles chegou a ser deputado federal. Josélio anda próximo dos 80 anos. Nos anos 60, participou de uma guerra entre fazendeiros da região, que custou mortes de um lado e de outro. Num episódio que deram o nome de Sindicato do Crime.
 
Como não poderia deixar de ser, em matéria de temores, sua figura não deixou de estar presente na disputa eleitoral. Ficou bem presente quando adversários de Neto Barros tentaram intimidar o senador Magno Malta (PR), para que não comparecesse ao comício final da campanha do primeiro prefeito comunista eleito. O senador não só  compareceu, como também deu nome aos que o ameaçavam. 
 
Como foi dito por um velho morador de Baixo Guandu, ainda do tempo em que as brigas eram resolvidas à bala, enquanto com vida estiver, Josélio de Barros, de longe ou perto, nada permitirá acontecer com o seu povo e com os amigos do seu povo. Fechou o comentário dizendo que ainda está para aparecer quem atirou melhor do que ele. Chegou relativamente perto o tenente José Scárdua (assassinado, em Vitória, em 3 de fevereiro de 1973). Mas sem superá-lo no gatilho. 
 
- Andaram dizendo que eu não falaria aqui hoje. Estou falando e vou falar até o fim, porque não sou filho de pai assustado. Sou negro, de família pobre, comecei a vida política na terra de Theodorico Ferraço (DEM), e não pertenci ao Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Estado(Ufes). E vou dar aqui os nomes dos que nos ameaçam.  A ameaça  vem do empresário João Valério e do oficial da reserva da Polícia Militar, Ademar Sanches. Estou aqui pregando a necessidade de eleger-se um prefeito capaz de tocar a prefeitura sem temer as ameaças de  grupos remanescentes da violência e que precisam de alguém com a  coragem suficiente para impor a paz e o progresso em Baixo Guandu – foi como reagiu às ameaças o senador Magno Malta, no comício da vitória de Neto.
 
Reportando-se ao episódio do senador, Neto Barros disse que nunca temeu pela vida de Magno, como também não teme pela sua: “Eu sou defunto de choro, pois sou sobrinho de Josélio Barros. Entende o que estou dizendo?“
 
- Claro! Se cai um aqui, caem vários do outro lado - respondi

 
-Entendeu bem. 
 
Aproveitei o embalo para saber dele as ligações do seu adversário nas eleições , o juiz aposentado Eraldo Trevisan, com os ameaçadores. Neto respondeu lembrando que ele  foi titular da comarca de Baixo Guandu por 19 anos, e que em grande parte de seu tempo, costumava contar com promotor e delegado de polícia para combater sua família. 
 
Ao final do encontro, ele passou um charuto cubano,  para com ele festejar sua vitória. Acendeu o seu e começou a soltar baforadas com o aroma de um legítimo Romeu e Julieta, como  faziam os antigos revolucionários cubanos. Preferi guardar o meu para outra oportunidade.  

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