Segunda, 29 Abril 2024

E agora prefeito(s)?

O noticiário do início do ano, aqui e acolá, foi unânime e uniforme: dez em cada dez dos novos prefeitos, inclusive os reeleitos, falaram mais de gestão de meios e menos de política e reafirmação de promessas e projetos. A ordem geral é economizar. Os jornais retrataram bem: na média, os discursos de posses ecoaram lições e axiomas de MBAs renomados dos Estados Unidos e da Europa e de consultorias competentes ligadas ao Movimento Brasil Competitivo. Isto é bom. A responsabilidade fiscal e o foco na gestão competitiva são recentes no Brasil. Precisam realmente se consolidar como práticas comuns de governo e governança em todos os níveis – federal, estadual e municipal.



Entretanto, uma eventual síndrome do Tio Patinhas , combinada com uma eventual obsessão pelos manuais do tipo “gerente eficaz” , pode jogar o bebê fora junto com a água do banho. Por uma simples razão: o nível local de governo no Brasil – vale dizer, os governos municipais – passou por significativas transformações de escopo e escala, de forma e de conteúdo, nos últimos trinta anos, aproximadamente, desde o processo de redemocratização nos anos 1980. O ato de governar, no plano local, deixou de ter um componente mais gerencial de “gerência de serviços locais” e passou a ter um componente mais político de “poder local”. Vem daí a constatação de que há uma modificação conceitual: da noção de governo (gerência de ações locais) para a noção de governança (multilateralismo governamental e parcerias público-públicas e público privadas ,verticais e horizontais).



Do ponto de vista da repartição da receita disponível para os três níveis de governo no Brasil, os municípios experimentaram uma duradoura tendência de aumento da sua participação. O governo central teve sua participação nas receitas disponíveis diminuída de 68,2% em 1980 para 55,8% em 2000, mas passou para 57,8% em 2005 e manteve-se no mesmo patamar de 57,0% em 2010. Já os estados passaram de 23,3% em 1980 para 26,3% em 2000, mas diminuíram para 24,7% em 2010. Os municípios mantém, nos últimos 30 anos, um crescimento contínuo e vigoroso, passando de 8,6% em 1980 para 18,3% em 20010.



Do ponto de vista das responsabilidades funcionais, os municípios assumiram grandes responsabilidades, principalmente na educação básica e na saúde. Mas foram assumindo também outras funções importantes, além das funções clássicas de serviços locais, como funções econômicas. Na própria medida em que o Brasil experimentou forte processo de inclusão social nos últimos 15 a 20 anos, novas demandas da cidadania se colocam para os governos locais. O que vai aumentando os desafios da boa governança. Mais demandas, mais necessidades de recursos fiscais e de capacidade gerencial, mais necessidade de multilateralismo e parcerias. E assim por diante. Equação que se complica em tempos bicudos e de vacas magras.



As macro, micro e meso tendências que se movimentam no ambiente sócio-econômico e político dos governos locais brasileiros vieram para ficar. Um processo de urbanização que levou à formação de regiões metropolitanas e à interconectividade de pessoas e atividades, modificando a “jurisdição” da prestação dos serviços. Um processo de globalização que leva cada vez mais as regiões metropolitanas e as cidades a assumirem um papel nodal como partes de complexas redes de relações financeiras, comerciais e econômicas, por exemplo. Um crescimento contínuo nas demandas substantivas, para além da demanda por serviços locais e metropolitanos. E um crescimento de novas formas de participação, para além do corte da participação via política partidária ou comunidades locais. Novas demandas via ONGs, via parcerias público-privadas, via parcerias público-públicas. Formatos novos de execução de projetos, como as Operações Urbanas, um instrumento legal de renovação urbana e de investimentos nas cidades.



Tudo somado, os novos prefeitos vão precisar combinar a visão de gerente moderno com a visão de líder político com capacidade de diálogo horizontal e vertical. Fazer os tradicionais ajustes fiscais. Mas ousar na capacidade de mobilizar os atores sociais e empresariais da cidade e da região para executar projetos em parcerias. E exercer a diplomacia federativa. O tempo do “pires na mão” e das romarias à Brasília ficou para trás. É preciso ter bons projetos para atrair a iniciativa privada; atrair recursos estaduais; atrair recursos federais. A gestão competitiva passa pela formulação e implementação de bons projetos.

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