Domingo, 28 Abril 2024

Sob protestos

 

No seu voto sobre a decisão do procurador-geral de Justiça em arquivar o inquérito da Operação Derrama - que investigava dois deputados e três prefeitos, entre eles o presidente da Assembleia Theodorico Ferraço -, o desembargador Ronaldo  Gonçalves de Sousa deixou patente o seu descontentamento com a posição de Eder Pontes. Antes de homologar a decisão, porém, ele fez questão de esclarecer que estava se curvando à Constituição e não ao procurador-chefe. 
 
 
O relator do inquérito no Tribunal de Justiça disse ainda que a legislação criou uma situação paradoxal ao não prever, para os inquéritos de competência dos tribunais, a revisão do arquivamento. Em outras palavras, ele quis dizer que a decisão de Pontes pelo arquivamento, acabou "amarrando" o Tribunal que, sem alternativa, foi obrigado a homologar o arquivamento do inquérito, mesmo descordando por completo do chefe do Ministério Público Estadual. 
 
Em seu longo voto, Ronaldo fez questão de explicar didaticamente todos antecedentes que cercaram as suas decisões, inclusive as prisões. Em seguida, passou a rebater cada um dos pontos defendidos pelo procurador-geral para arquivar o inquérito.
 
Apesar de reafirmar que não havia crise institucional alguma entre TJES e MPE e recorrer a todas as "venias" possíveis para antecipar suas críticas a Pontes, as palavras do desembargador não velaram seu descontentamento com o chefe do MP. Num dos pontos mais contundentes do voto, ele voltou a enaltecer o trabalho de investigação dos delegados do Núcleo de Repressão ao Crime Organizado e à Corrupção (Nuroc), desqualificado por Eder Pontes. 
 
A defesa em relação ao trabalho dos delegados foi uma resposta às críticas de Pontes, que chegou a declarar à imprensa que o Nuroc "errou feio". O relator esclarece que não houve erro por parte dos delegados nem tampouco excessos, como também se queixou Pontes. 
 
Diante da manobra adotada por Pontes de tirar o foco do conteúdo das investigações e transferi-lo para os meios utilizados para obter as provas, o desembargador quis mostrar que o trabalho dos delegados foi legal e a profusão de provas apuradas eram, no entendimento do relator, mais do que suficientes para o procurador-geral oferecer denúncia contra os deputados Theodorico Ferraço (DEM) e José Carlos Elias (PTB); e os prefeitos Marcelo Coelho (PDT), de Aracruz; Rogério Feitani (PMN), de Jaguaré; e Jander Nunes Vidal (PSDB), de Marataízes.
 
O relator também fez questão de dizer que se houve excessos, foi por parte do próprio procurador-geral. Ronaldo Gonçalves se referia a uma iniciativa abusiva do procurador-chefe, que estabeleceu o prazo de cinco dias para os delegados do Nuroc "desentranharem" cerca de 20 páginas do inquérito relativas a considerações dos delegados sobre as investigações.
 
Pontes havia entrado com recurso de agravo no Tribunal para desentranhar essa parte do inquérito. Excluir a opinião dos delegados passou a ser questão de honra para Pontes, que ficou irritado porque perdeu o controle da situação. Ele não verdade não tolerou o fato de os delegados agirem com autonomia e competência no curso das investigações. Pontes estava acostumado a manter todo o controle da situação nas mãos do MPE, como nos tempos do ex-governador Paulo Hartung.
 
O desembargador afirmou que Pontes, que aguardava o julgamento do agravo, não poderia exigir que os delegados excluíssem parte do inquérito que já estava sob domínio do Tribunal, o que impedia que os delegados, por motivos óbvios, cumprissem a decisão do MPE. Ele disse que a atitude do procurador-geral foi uma afronta às competências do Tribunal. Irônico, ele provoca: "Acaso estaria o Ministério Público ordenando ao delegado que adentrasse a secretaria do Tribunal do Pleno ou mesmo o meu gabinete, tomasse em mãos os autos do inquérito e deles retirasse determinadas folhas". 
 
Essa é só uma das diversas passagens que retratam a insatisfação do relator com as atitudes de Pontes.
 
No saldo da queda de braço que se instalou entre as duas instituições, que Ronaldo Gonçalves prefere chamar de divergências jurídicas e não de crise, ficou evidente que o MP e o TJ não falam a mesma língua. No seu voto, prevaleceu a defesa do trabalho investigativo dos delegados do Nuroc porque o desembargador entendeu que havia provas contundentes para Pontes oferecer denúncia contra os investigados.
 
No final do seu voto, Ronaldo Gonçalves desabafa: "Sou, pois, compelido, pela Constituição e pelas leis, a homologar a promoção de arquivamento lançada nos autos pelo parquet, mesmo dele divergindo por completo". E finaliza: "No que atina a meu papel como julgador, só posso dizer: fiz a minha parte". 
 
Embora Eder Pontes interprete o arquivamento da Derrama como uma vitória pessoal contra Ronaldo e o Tribunal, aos olhos de parte da opinião pública ficou a sensação de que o desembargador e os delegados estavam determinados em defender os interesses da sociedade. O tempo dirá quem estava do lado da verdade.

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