Requerimento inclui o imóvel, o acervo documental e os bens móveis
A advogada Livia Poubel, voluntária do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), solicitou instauração de requerimento de tombamento do Educandário Alzira Bley ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ela requereu o tombamento do imóvel, do acervo documental e dos bens móveis. Consta, ainda, que seja determinado, “caso entenda pertinente, a realização de medidas cautelares de curadoria e inventário técnico do acervo documental ali existente”.

O Educandário Alzira Bley, no bairro Padre Mathias, em Cariacica, foi criado em 1940 para abrigar os filhos dos internos do Hospital Pedro Fontes, na mesma região, destinado ao isolamento de pacientes com Hanseníase, doença também conhecida como Lepra, normalmente retirados de maneira violenta do convívio familiar e social. Tanto o Pedro Fontes quanto o Educandário nasceram no contexto da política de isolamento e internação compulsórios de pacientes com Hanseníase no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas.
“Hoje, o Educandário ainda guarda acervos originais de valor histórico e probatório imensurável, com documentos que revelam dados sensíveis desses egressos, histórias de separação, adoções e rompimento de laços familiares. Recebi relatos diretos de remanescentes dessa política — que, em conversas profundas e dolorosas, narraram a impossibilidade de acessar registros que poderiam ajudar a reconstruir sua própria identidade, suas origens e, em alguns casos, fundamentar seus direitos à reparação”, diz a advogada no requerimento.
Livia destaca que o cenário atual é de completo abandono. “O local não possui funcionários especializados no cuidado arquivístico, não há estrutura mínima para garantir a guarda segura desse patrimônio, e há notícias recorrentes de invasões e depredações, que colocam tudo em risco iminente de perda irreversível”, denuncia.
A segregação compulsória dos filhos dos pais com hanseníase, aponta a advogada, “é reconhecida por vasta jurisprudência como grave violação de direitos humanos e impõe ao Estado brasileiro o dever de memória, verdade e reparação”. Em meio a essa jurisprudência, Livia destaca a Lei nº 11.520/2007, que concede pensão especial aos submetidos ao isolamento compulsório, a Lei nº 14.689/2023, que estende a reparação compensatória aos filhos separados, e o Decreto nº 7.037/2009, que consagra o direito à memória e à verdade como eixo essencial da Justiça de Transição.
Livia defendeu, em entrevista ao Século Diário, que o tombamento do Educandário Alzira Bley “é um ato indispensável de memória e justiça”. “Esses espaços, espalhados por todo o Brasil, acolheram por anos crianças brutalmente separadas do convívio de seus pais, em razão da política higienista que impôs a separação obrigatória dos que estavam acometidos pela Hanseníase — um prejuízo incalculável à honra e à identidade”.

O sofrimento dessas pessoas, ressalta, permanece até hoje. “Muitos ainda relatam que a dor se renova quando não conseguem sequer acessar o lugar e documentos que contam a sua história. São locais que revelam um contexto comunitário, social e regional que não pode ser apagado, pois significam um lugar de memória. Proteger esse lugar, de identidade dessa comunidade, é colocar essa dor em um espaço de respeito e assegurar que ela jamais seja esquecida, para que nossa democracia permaneça fiel ao compromisso com a dignidade humana e com a reparação histórica”, defende.
Livia acredita que “um verdadeiro Estado democrático é aquele que também humaniza a memória da dor, que dá voz às vítimas de violações a direitos humanos e valoriza os lugares que carregam sofrimentos históricos, como um direito fundamental para a reparação simbólica. O tombamento do Educandário Alzira Bley representaria a preservação de uma democracia viva”.
Patrimônio histórico
Em 2021, a Prefeitura de Cariacica instituiu o tombamento do Sítio Arqueológico Pedro Fontes, compreendendo a área do cemitério São Francisco, capela e entorno, processo iniciado na gestão do então prefeito Geraldo Luiza Junior, o Juninho, e finalizado no primeiro mandato de Euclério Sampaio (MDB). Para que isso acontecesse, o Governo do Estado enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei de doação da área onde se situam o cemitério e a capela, aprovado em 2020 com três emendas do então deputado Hércules Silveira (PP).

Uma delas estabelece que o município restaure a capela até dois anos após a sanção da lei. A outra, que seja asfaltada a estrada que dá acesso ao local. A última, que seja feita exumação dos cadáveres na entrada do cemitério, em diálogo com as famílias dos mortos, para ajustes estéticos no local. Contudo, os moradores afirmam que nada disso foi feito.
Além disso, o município de Cariacica tem uma legislação própria de tombamento, elaborada com base nos critérios do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Assim, os tombamentos seguem as legislações municipal e nacional.