Vereador alerta para mudanças da prefeitura em lei fundiária de Vila Velha
“Esse debate não pode ser definido em gabinetes gelados. O ideal é que fosse feito com a participação do Crea-ES [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo], de órgãos federais e da comunidade”. A crítica é do vereador de Vila Velha Rafael Primo (PT), diante da proposta que afirma ter sido “colocada de supetão” na Câmara Municipal, para alterar e acrescentar dispositivos à Lei nº 6.801/2023, que trata da Política de Regularização Fundiária Urbana no município.
De autoria do prefeito Arnaldinho Borgo (sem partido), o Projeto de Lei (Processo nº 4855/2024) passaria por segunda discussão e votação nessa quarta-feira (7). O texto recebeu pareceres favoráveis das comissões permanentes da Casa de Justiça, Política Urbana e Finanças, e retorna à pauta de votação na próxima segunda-feira (12).

A matéria propõe alterações em alguns dispositivos da lei vigente. Entre elas, ajustes nas exigências de documentação técnica para o processo de regularização, como a possibilidade de dispensar a apresentação de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) ou Termo de Responsabilidade Técnica (TRT) nos respectivos conselhos de classe, quando os responsáveis forem servidores ou empregados públicos. Outra mudança é a inclusão do artigo 83-A, que permite a regularização de “parcelamentos para fins urbanos implantados antes de 19 de dezembro de 1979 que não possuírem registro no competente cartório de registro de imóveis, desde que estejam integrados à cidade e possam ser atestados pela prefeitura”.
Na tribuna, Rafael Primo justificou o pedido de vista da matéria com base na gravidade dos impactos que a proposta pode acarretar. “Há um problema histórico na cidade de Vila Velha em relação à regularização fundiária. E esses problemas são negligenciados, atropelados, muitas vezes intencionalmente, para que haja o beneficiamento de grupo A, B e C de maneira velada. E isso nos traz a responsabilidade de iluminar a discussão”, afirmou. Ele reforçou que não participava da legislatura em 2023, quando a lei original foi aprovada, e por isso precisava de tempo para entender o projeto.
Apesar do apelo, o pedido de vista foi rejeitado pela maioria dos vereadores. Apenas Primo, Patrícia Crizanto (PSB) e os vereadores do PL – Devacir Rabello, Pastor Fabiano e Patrick da Guarda – apoiaram o adiamento da votação. No entanto, o líder do Governo na Câmara, Devanir Ferreira (Republicanos), decidiu retirar a matéria de pauta, reconhecendo que parte dos vereadores precisava de mais tempo para avaliar a proposta com suas assessorias e órgãos competentes.
Ainda em sua manifestação, Rafael Primo alertou que as alterações podem abrir brechas para “regularização de terras griladas” e gerar “problemas gravíssimos”, como desabrigamento de famílias e descontrole na política fundiária. Para ele, a maior preocupação com o projeto é possibilitar o acerto de terras de maneira equivocada, não respeitando algumas premissas e gerando algum atropelo que possa prejudicar a luta por moradia. A proposta também desloca para a prefeitura prerrogativas que são tradicionalmente dos cartórios, no que se refere ao registro de imóveis, pontuou.
Após a retirada temporária de pauta, o debate se estendeu entre os parlamentares. Devacir Rabello (PL) ponderou que o pedido de Rafael deveria ter sido concedido e afirmou que não participou da deliberação da Comissão de Justiça, pois os membros sequer se reuniram para discutir o tema. “Sugiro que os demais mediadores possam fazer análise junto com o mediador Rafael, para que vocês possam chegar na base, com os seus eleitores”, disse.
Também integrante do PL, Pastor Fabiano declarou que “não permitiria que passasse ‘jabuti’ na Câmara”, em referência a dispositivos que eventualmente sejam inseridos de maneira oportunista em projetos de lei. A fala provocou reação imediata do líder do Governo, que o desafiou a apontar onde estaria esse suposto “jabuti”. “Se tem o jabuti aqui, o Pastor Fabiano vai nos mostrar. Mas se não tiver, também, ele vai vir no microfone e falar que não tinha”, rebateu Devanir Ferreira.
O presidente da Casa, Osvaldo Maturano (PRD), desdenhou da crítica feita por Primo e afirmou: “Quem inventou isso está ‘viajando na maionese”. Na mesma linha, Carol Caldeira (DC) acusou o parlamentar de fazer “sensacionalismo em algumas situações que são óbvias”, em referência às denúncias sobre grilagem de terras e favorecimento de empresários.
Diante das críticas, o petista afirmou que seguirá estudando a matéria em profundidade: “A matéria foi colocada de supetão e é de uma gravidade e importância muito grande para o nosso mandato ter esse tempo para analisar com profundidade, propor eventuais emendas e detectar se há ilegalidades para votar, protegendo o interesse dos mais necessitados”, justifica.

Panorama habitacional
O Censo 2022 do IBGE identificou 516 favelas e comunidades urbanas no Espírito Santo, caracterizadas pela precariedade na infraestrutura urbana, insegurança na posse dos imóveis e ausência ou insuficiência de serviços públicos básicos. Vila Velha aparece como o terceiro município com maior número dessas comunidades, concentrando aproximadamente 11,8% dos agrupamentos subnormais (61, no total), atrás apenas de Cariacica (79) e Serra (68), todos da região metropolitana.
De acordo com o relatório da Fundação João Pinheiro (FJP), o déficit habitacional capixaba saltou de 83,2 mil domicílios em 2019, para 92,2 mil em 2024 – o equivalente a 6,3% das moradias do Estado. Em todo o Brasil, o déficit atinge mais de 6,2 milhões de domicílios.
Entre janeiro de 2022 e junho de 2024, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) registrou 59 casos de remoções coletivas e ameaças de despejo em todo o Estado, 47 em áreas urbanas e 12 em áreas rurais, atingindo cerca de 9.419 famílias, ou mais de 37 mil pessoas. Segundo o órgão, a maior parte das ocupações ameaçadas surgiu antes da pandemia, o que reforça a necessidade urgente de políticas habitacionais efetivas e permanentes.
No caso específico de Vila Velha, os números evidenciam a pressão urbana crescente sobre áreas periféricas e ambientalmente sensíveis. Em janeiro de 2025, ambientalistas expressaram preocupações quanto à implantação do bairro planejado Costa Nova, localizado na zona de amortecimento do Parque Natural Municipal de Jacarenema, em uma área de 615 mil m² entre Araçás e Jockey, de frente para a Rodovia do Sol e a praia.
A liberação do projeto pela Prefeitura de Vila Velha foi condicionada ao financiamento de obras de compensação ambiental, incluindo a construção da nova Ponte da Madalena e de uma ciclovia no parque. No entanto, movimentos sociais e especialistas denunciaram impactos ecológicos negativos, como a degradação da restinga em uma zona de proteção permanente.