Famílias afetadas por desapropriações cobram transparência sobre projeto
O Governo do Estado lançou, nesta terça-feira (30), o edital de licitação para as obras de implantação do Aeroporto Regional das Montanhas Capixabas, que será construído no município de Venda Nova do Imigrante, na região serrana. O anúncio foi feito em solenidade no Palácio Anchieta, em Vitória, com a presença do governador Renato Casagrande (PSB) e do vice-governador Ricardo Ferraço (MDB). Apesar da divulgação do projeto como estratégico para o turismo e o desenvolvimento econômico, famílias que terão suas terras desapropriadas voltam a cobrar transparência e criticam a falta de diálogo com os principais afetados.
O prazo estimado para a implantação do aeroporto é de até 30 meses, incluindo oito meses para a elaboração dos projetos executivos e para os processos de licenciamento, e até 22 meses para a execução das obras.

O projeto prevê uma pista de pouso e decolagem com cerca de 1,2 mil metros de comprimento por 30 metros de largura, além de taxiway e pátio de aeronaves aptos a receber aviões do tipo ATR-42, utilizados em rotas regionais, e helicópteros. Também serão construídos um terminal de passageiros, acesso viário, estacionamento e estruturas de apoio, e instalados equipamentos de navegação aérea, como Indicador de Percurso de Aproximação de Precisão (PAPI), balizamento luminoso, biruta iluminada e farol de aeródromo, permitindo operações diurnas e noturnas.
Moradores de Alto Caxixe, que serão diretamente afetados pela implantação do aeroporto, tem contestado a classificação da obra nos discursos oficiais como de interesse público. Eles observam que o projeto não é voltado para aviação comercial regular e que o aeroporto será destinado a aeronaves de pequeno porte. A agricultora Dilceia Peterle, que terá toda a sua propriedade desapropriada, afirma que, apesar de buscar informações, o governo não apresentou detalhes concretos sobre os impactos do empreendimento, valores de indenização ou alternativas de realocação.
Segundo o governo, o empreendimento integra o Programa de Aviação Regional do Espírito Santo e também poderá ser utilizado para atendimento a emergências, servindo como base de apoio para operações do Samu, Corpo de Bombeiros e Núcleo de Operações e Transporte Aéreo (Notaer). O edital corresponde à Concorrência Eletrônica nº 90006/2025, sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi), com valor estimado em R$ 75,3 milhões.
A licitação será realizada por meio do Sistema de Compras do Governo Federal (ComprasGov), e prevê a contratação integrada de empresa especializada para a elaboração dos projetos básicos e executivos de engenharia, além da execução das obras do novo aeroporto.
De acordo com o cronograma oficial, o edital ficará disponível a partir desta terça-feira e a abertura da sessão pública está marcada para o dia 6 de abril de 2026, às 10 horas, quando serão recebidas as propostas das empresas interessadas. O modelo de contratação integrada reúne, em um único contrato, o desenvolvimento dos projetos, o licenciamento ambiental, a execução das obras e a homologação do empreendimento.
Durante o discurso no lançamento do edital, o governador Renato Casagrande afirmou que a gestão estadual tem investido em obras relacionadas ao turismo, como pavimentação de estradas rurais, implantação de estradas, infraestrutura de orlas e complexos de lazer.
“Esse aeroporto regional será um potencializador do nosso turismo na região de montanhas. Um investimento sonhado por muita gente e que hoje damos o primeiro passo, como lançamento do edital e, muito em breve, vamos iniciar as obras. Que nosso 2026 possa ser ainda melhor do que o ano que está terminando”, exaltou.
As propriedades localizadas na área destinada à construção foram declaradas de utilidade pública “para fins de desapropriação” em decreto assinado pelo vice-governador Ricardo Ferraço, em maio deste ano. A medida surpreendeu famílias que vivem há quatro gerações na região, que afirmam não ter sido comunicadas previamente sobre o projeto, tomando conhecimento da possibilidade de remoção por meio de reportagens veiculadas na imprensa capixaba.

Dilceia aponta que apenas na área imediatamente afetada pelo traçado planejado da pista, estão cinco famílias de produtores rurais, além de mais de 25 moradores de um condomínio já iniciado e outras dezenas de pessoas que adquiriram lotes em um loteamento vizinho. Além dos impactos financeiros e no modo de vida local, os moradores relatam preocupação com os danos ambientais e paisagísticos que a obra pode causar.
O clima de insegurança, segundo os moradores, se agravou após uma audiência pública realizada no município em setembro. O produtor rural Eduardo Peterle, que também teve sua propriedade incluída na área do empreendimento, criticou o fato de os afetados não terem conseguido se manifestar durante a reunião. Para ele, o aeroporto “não vai girar a economia local”, já que o público que utiliza aeronaves próprias não consumiria no comércio da região.
Os agricultores também questionam os critérios de indenização. Eles afirmam que os valores consideram apenas o preço bruto da terra, sem levar em conta a produção agrícola, as benfeitorias realizadas ao longo de décadas, a renda gerada e o vínculo histórico com o território. Eduardo reforça que o Estado “paga barato” por áreas que, uma vez integradas a empreendimentos privados, passam a valer muitas vezes mais.
As desconfianças aumentaram diante de rumores sobre a possível instalação de um grande resort na antiga fazenda Nova Trento, área que pertenceu à família do ex-bilionário Eliezer Batista, pai de Eike Batista, e que teria sido vendida a investidores interessados em um empreendimento turístico. “O que se comenta é que essa pista interessa a pessoas de grandes posses, de São Paulo e do Rio de Janeiro, que viriam para esse resort gigante. Parece que tudo já está decidido. Vão assinar, tomar a terra e pronto. Nós ficamos tentando entender onde está o nosso direito”, resume Eduardo.
Em um abaixo-assinado organizado pelos moradores, o grupo afirma que o território abriga agricultores familiares responsáveis pelo abastecimento de feiras, hortifrutis e mercados da região, e que a continuidade desse trabalho será inviabilizada caso o projeto avance sobre suas terras.

