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Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive no cooperativismo

Mulheres dão exemplo de boa gestão e resultados na presidência de cooperativas capixabas

Por Elaine Dal Gobbo e Lucas Schuina

Selene Hammer Tesch, Loreda Falchetto Venturim, Leonarda Maria Plaster e Henriqueta Virginia Hosken Correa. O que elas têm em comum? As quatro são uma prova de que lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive no cooperativismo. Em um cenário em que as mulheres, na maioria dos setores, ainda encontram dificuldades para chegar aos cargos de chefia, Selene, Loreda e Leonarda presidem cooperativas do Espírito Santo que movimentam grandes números, tanto em termos de faturamento quanto de produção e cooperados. Henriqueta segue os mesmos passos, com uma cooperativa recém-criada que aponta para um futuro igualmente promissor.

Selene é presidente da Cooperativa da Agricultura Familiar da Região Serrana, a CAF Serrana, em Santa Maria de Jetibá, fundada em 2007, que atua principalmente no ramo da horticultura e conta hoje com 205 cooperados. Além de Santa Maria de Jetibá, eles se encontram em outros municípios, como Santa Teresa, Itarana, Afonso Cláudio, Santa Leopoldina e Domingos Martins. Entre esses 205 há, ainda, 30 cooperados de Santa Catarina, por meio de uma parceria com a Cooperativa Agropecuária de Urupema (Coopema).

Selene preside a CAF Serrana desde 2016. Foto: Leonardo Sá

A agricultora atua na CAF Serrana desde o início de seu funcionamento, quando os trabalhadores rurais se uniram com o intuito de se organizar para receber um valor mais justo pela sua produção. “Muitos empresários, que as pessoas chamam de atravessadores, vendiam os produtos na Ceasa [Central de Abastecimento do Espírito Santo] e pagavam o que bem entendiam. Queríamos trabalhar de forma a vender por um preço mais justo, ter um reconhecimento pelo nosso trabalho”, relata.

A agricultora, logo após a fundação, assumiu a secretaria executiva da cooperativa. Nove anos depois, em 2016, chegou à presidência, cargo que ocupa até hoje, sendo a primeira mulher a exercer essa função na CAF Serrana. Sua atuação, no entanto, foi além. Desde 2016, ela é secretária executiva da Associação de Cooperativas de Agricultura Familiar do Espírito Santo (Unicafes). Em 2017, foi eleita embaixadora da região Sudeste para a Campanha #MulheresRurais, mulheres com direitos, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) e a Reunião Especializada da Agricultura Familiar do Mercosul (REAF), além de coordenada pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead).

Selene afirma que não sente nenhuma resistência das pessoas quanto ao fato de uma mulher presidir a cooperativa. Contudo, aponta, isso acontece porque “não permito”, mostrando que, em uma sociedade patriarcal, uma mulher, quando chega a uma função de liderança, tem que se impor para evitar ser atropelada pelo machismo.

Essa lição, relata, aprendeu ao longo da vida e levou para o cooperativismo. Selene recorda que em 1989, quando foi tirar seus documentos, decidiu fazer isso sozinha, uma atitude que para muitos pode ser corriqueira, mas que naquele contexto, na zona rural, não era muito comum. “Eu decidi fazer isso sem pedir ajuda de nenhum homem, nem do meu marido. Na época, as mulheres dependiam dos homens para buscar orientação, mas eu fui sozinha tirar meu Título de Eleitor e Carteira de Identidade”, diz. 

A independência de Selene não a impede de trabalhar pautada naquilo que é a base do cooperativismo: a coletividade, o diálogo e o trabalho construído por diversas mãos. Prova disso são os números que a CAF Serrana apresenta. Junto a outras seis cooperativas parceiras, são atendidas mais de 700 escolas em todo o Espírito Santo, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). 

CAF Serrana

Ao todo, são 400 toneladas vendidas anualmente, sendo a maior parte, mais de 300, destinada para o PNAE. A CAF Serrana também abastece escolas de diversos municípios de São Paulo por meio do PNAE. Nesse estado, um dos projetos futuros é comercializar os produtos dos cooperados na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Para a Coopema, em Santa Catarina, a CAF Serrana envia de 15 a 20 toneladas quinzenais de hortaliças para serem vendidas no mercado privado. Em troca, as maçãs produzidas pelos agricultores catarinenses são vendidas pela cooperativa capixaba para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. 

Foco na mulher

A cooperativa tem buscado impulsionar o trabalho da mulher agricultora. Uma das ações consiste em, na hora de registrar a família, colocar o nome da mulher. Essa atitude, inclusive, atende a iniciativas como o PNAE e o Fundo Social de Apoio à Agricultura Familiar (Funsaf), do Governo do Estado. “Os programas que o governo tem lançado exigem, no mínimo, paridade. Se tiver mais mulheres, você tem pontuação a mais”, explica Selene.

A cooperativa também tem planos de criar capacitações com foco no público feminino. “Queremos debater outras funções que a mulher pode cumprir para além de ser dona de casa e que possa aplicar em suas propriedades. A mulher tem que adquirir independência. Isso é fundamental. Desde que eu decidi ser independente, não ter nenhum homem atrás de mim para me comandar, eu sou mais eu. Isso eleva a autoestima, a representação, o reconhecimento perante a sociedade, e traz dignidade”, defende.

A CAF Serrana é composta por seis pessoas na diretoria. Selene é a única mulher. Contudo, se depender dela, isso vai mudar. “A gente quer trabalhar a paridade, inserir mais mulheres. Não é justo ter um Conselho Diretor só de homens. Pelo menos metade tem que ser mulher”, enfatiza. Para ela, a dupla ou tripla jornada de trabalho – além do trabalho rural, as mulheres normalmente são responsáveis pelos afazeres domésticos e cuidado com os filhos – dificulta a participação das mulheres em ações como capacitações.

Selene e os demais diretores da CAF Serrana. Foto: Leonardo Sá

“A mulher acaba tendo muito pouco tempo para participar de eventos. Os filhos estão com ela, todo o dever de casa está com ela. Não pode se dar ao privilégio de largar e sair. Eu tenho certeza, a mulher faz muita coisa e mais um pouco. O homem não faz o que uma mulher faz”, pontua, destacando que, nas atividades da cooperativa, essa realidade é levada em consideração, a exemplo da realização de ações que possam envolver toda a família, evitando a questão da mulher não participar por não ter com quem deixar os filhos.

Força no pós-pandemia

Outra cooperativa fundada no início dos anos 2000 que veio a ter uma mulher na presidência somente anos depois é a Centro de Educação, Cultura e Lazer (Coopeducar), em Venda Nova do Imigrante, também na região serrana. Desde 2021, Loreda Falchetto Venturim preside a cooperativa, sendo a primeira mulher a ocupar o posto. A Coopeducar, uma escola particular, foi fundada no ano 2000 por um grupo de pais que desejava matricular seus filhos em uma instituição de ensino de qualidade, mas com preço justo e acessível. Os próprios responsáveis pelos alunos, portanto, é que são os cooperados.

Loreda Falchetto Venturim. Foto: Divulgação

Loreda se tornou presidente em um momento particularmente difícil: o da pandemia da Covid-19. No auge da crise, as escolas particulares do Brasil perderam cerca de um terço de suas matrículas, segundo um levantamento da consultoria de gestão escolar Grupo Rabbit. Apesar disso, ela afirma que a Coopeducar, que completou 25 anos em agosto passado, já se recuperou do baque, e hoje conta com 280 alunos, atendendo desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.

Na visão de Loreda, as mulheres são mais propensas a não assumir funções de direção em cooperativas devido à dificuldade de conciliar com seus próprios trabalhos e afazeres domésticos. Ela é uma das administradoras de um hotel da sua família e atua na Coopeducar de forma voluntária. Também tem dois filhos, de 7 e 9 anos, que estudam na escola que preside.

“Presidir uma cooperativa ou qualquer outra empresa exige muito da mulher, que tem muitas outras demandas. A presidente da escola, sendo do gênero feminino, tem que ser uma mãe de aluno, e essa mãe tem muitas tarefas. Porque, querendo ou não, você tem casa, filho, marido, e precisa conciliar tudo isso. Muitas mulheres não têm tempo, ou têm medo mesmo de assumir uma responsabilidade como essa”, analisa. 

Coopeducar. Foto: Divulgação

No caso de Loreda, existe uma flexibilidade maior de horários no trabalho no hotel, permitindo conciliar com a presidência da escola. Além disso, ela destaca que tem um “lado cooperativista” que vem de berço: seu pai, Cleto Venturim, é presidente da cooperativa de crédito Sicoob Sul-Serrano.

“Todo mundo cresce quando está inserido no cooperativismo. Para ser cooperado na Coopeducar, precisa ser pai de aluno da escola. Quem ajuda a gerir a escola, junto com a diretoria, é o conselho administrativo, formado por cooperados. A parte pedagógica é que fica mais com os professores e demais profissionais de educação”, explica.

A presidente da Coopeducar ressalta que não é a única mulher que atua na administração da escola. “A gente tenta conciliar homens e mulheres nos cargos. As mulheres têm um olhar mais sensível para determinadas situações”, ressalta.

Avanço feminino

O avanço feminino no cooperativismo capixaba, ao que parece, tem provocado uma mudança importante. Ao contrário da CAF Serrana e da Coopeducar, as cooperativas mais novas já têm nascido com uma mulher na presidência na primeira gestão. Dois exemplos disso são a Cooperativa dos Produtores de Gengibre da Região Serrana do Espirito Santo (Coopginger), em Santa Leopoldina, na mesma região, consolidada em 2021, e a Cooperativa de Trabalho Manualidadeterapia Artesanato e Saúde Mental, em Vitória, Capital do Espírito Santo, criada no primeiro semestre deste ano.

Leonarda Maria Plaster, que preside a Coopginger, relata que a cooperativa nasceu da união de produtores que queriam mais espaço na produção de gengibre, já que não tinham muito poder de negociação. “Procuravam condições justas e transparentes. Havia muita falta de respeito e compromisso com o produtor, acontecia de pegarem o produto e não pagarem. Aí não tinha para onde correr. Era uma situação bem complicada”, conta.

Redes Sociais

A ideia de criação da cooperativa partiu principalmente de uma mulher, a cunhada de Leonarda, que começou a mobilizar as pessoas para que o sonho se concretizasse. Contudo, ela não tinha disponibilidade de tempo para assumir a presidência por ter que se dedicar à produção e à família. Diante disso, viu em Leonarda um nome que poderia ocupar essa função. A indicação foi acolhida por unanimidade pelos agricultores em assembleia da cooperativa, cuja diretoria já começou com paridade, composta por três homens e três mulheres.

Inicialmente eram 33 cooperados de Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina e Domingos Martins. Hoje são 186, abarcando também Santa Teresa. Mesmo com o crescimento da cooperativa, Leonarda afirma que ainda há desafios para uma mulher que está em função de liderança. “A gente ouve falar que não vai dar certo. Quanto aos cooperados, não tenho nada a reclamar, desde o início sempre tiveram confiança e respeito por mim. Mas as pessoas de fora olham de forma diferente, como possíveis clientes, outros produtores, e a concorrência”, diz.

Leonarda aponta que dribla isso “com trabalho, mostrando o contrário”. E os números provam. Atualmente, o maior mercado de atuação da cooperativa é na Europa, principalmente Holanda, de onde é feita a distribuição para outras nações. São vendidas cerca de 100 toneladas de gengibre por semana. Em 2023, quando a cooperativa iniciou a venda dos produtos, o faturamento foi de R$ 4 milhões. A cifra cresceu com o passar do tempo. Em 2024, foram R$ 13 milhões. A expectativa é que 2025 ultrapasse R$ 20 milhões.

A cooperativa estuda a possibilidade de estender sua atuação para o plantio de outros produtos, como inhame, aipim e batata doce. O gengibre, afirma Leonarda, é o carro-chefe, porque a região é propícia para esse tipo de cultivo. “Tem a questão do clima, é região de montanha. Quando plantado no morro, o gengibre dá melhor do que em área plana”, detalha.

De mulheres para mulheres

Assim como a Coopginger, a Cooperativa de Trabalho Manualidadeterapia Artesanato e Saúde Mental também foi idealizada por mulheres: as psicanalistas Rute Santos e Henriqueta Virginia Hosken Correa, que se tornou presidente. A cooperativa, inclusive, surgiu quando as duas identificaram uma demanda entre mulheres na faixa dos 50 e 60 anos. “Muitas estavam saindo de um casamento, não tinham uma renda, não tinham autoestima, o emocional estava atrapalhado. Precisavam se desconstruir para se reconstruir como uma mulher de 50 anos, jovem, com muito potencial, com muita coisa ainda para fornecer para ela mesma e para outras mulheres”, exalta Henriqueta.

Da esquerda para a direita: Henriqueta e Rute, idealizadoras da cooperativa. Foto: Leonardo Sá

Henriqueta aponta que fazer isso em consultório tem alcance pequeno. “No coletivo, a gente trabalha com as mulheres em uma roda de escuta, por exemplo. No trabalhar com as mãos, mantendo as mãos e mentes ocupadas. Na roda de escuta, as mulheres estão lá pintando um quadro, não para ser uma artista, técnica, mas para expressar com liberdade. Aí, as mentes e mãos ocupadas vão lembrando para elas que existem outros caminhos, que não acabou ali não, tem muita coisa”.

Identificada a demanda, o próximo passo foi pensar um modelo de atendimento que pudesse alcançar um número maior de mulheres. “Passamos 2024 fazendo testes, com encontros, vivências, atividades com pintura, xadrez terapêutico, mandala em fio, cerâmica. Escolhemos o cooperativismo, pois tem um alcance grande, nos leva a lugares que uma associação não leva, o individual não leva. O modelo cooperativista nos encantou quando descobrimos isso como possibilidade para nós. É a questão do não crescer sozinho. A gente não faz isso sozinho, mas junto. Sozinho a gente faz, mas não tão bem quanto um grupo”, destaca Henriqueta.

Os serviços principais da cooperativa são os atendimentos individuais e rodas de escuta. Nessas últimas, há, ainda, a artesania, que, segundo Henriqueta, é um chamariz. “Ninguém vira para ninguém e diz ‘olha, você precisa fazer um atendimento terapêutico! Olha, você precisa de um psicanalista’, porque a pessoa não recebe, a não ser que esteja muito em frangalhos. É diferente de ter uma vivência que vai ter um crochê, uma pintura em tela, e você é convidada a participar, onde você vai construir uma pintura em porcelana, uma vivência em cerâmica”, avalia.

A presidente da cooperativa destaca que o trabalho não é uma mera oficina. “Não é a artesania pela artesania, não é oficina, é uma vivência. É onde vou integrar uma pintura com um conto e cada uma vai receber como ela está preparada para receber. Aí ela vai perceber que precisa ser cuidada e pode escolher ou não fazer uma terapia individual, mas vai continuar participando das rodas”.

Preparação para vivência terapêutica. Foto: Leonardo Sá

Um dos clientes da cooperativa é o Asilo dos Velhos de Vitória, onde, quinzenalmente, são realizadas vivências com roda de escuta para os funcionários, possibilitando, afirma Henriqueta, “cuidar de quem cuida”. Também há um portfólio de produtos voltados para as empresas, sempre com foco na saúde mental. Portanto, o público, agora, é para além do feminino, abarcando também os homens. “Participamos no ano passado de um formação e apresentamos nossa ideia. Um dos avaliadores perguntou: ‘por que vocês estão fazendo esse trabalho maravilhoso só com foco nas mulheres? Homem não sofre?’. Foi lá que a gente repensou nosso modelo e ampliou um pouco mais”, recorda Henriqueta, que destaca que as rodas de conversa não misturam homens e mulheres.

No momento, como ainda está no início, são 14 cooperados: 12 mulheres e dois homens. A maioria trabalha com manualidades, mas há profissionais de diversas áreas, como advogados, médicos, enfermeiros, administradores, psicólogos e psicanalistas. Henriqueta afirma que, apesar de vivenciar há pouco tempo o mundo do cooperativismo, percebeu que ainda existem poucas mulheres no ramo. “Isso pode e deve ser mudado”, defende.

Rute Santos é diretora administrativo-financeira da cooperativa. Para ela, ter uma mulher na presidência pode inspirar outras cooperativas a fazerem o mesmo. “Muitas outras que hoje são lideradas por homens podem sim ser lideradas por mulheres, que às vezes já fazem um trabalho de liderança, mas por trás dos homens. Nós estamos com uma coragem de mostrar a nossa cara e dizer ‘você faz, você dá conta, você pode, você é capaz, você pode se espelhar na gente”, incentiva.

“Nossa cooperativa é a mais jovem do Estado a conseguir o certificado de regularidade da OCB [Organização das Cooperativas Brasileiras do Estado do Espírito Santo]. Isso não veio diretamente da implantação das vivências e do próprio trabalho, mas da capacidade de gestão. Nosso Conselho de Administração e presidência são organizados ao ponto de deixar a cooperativa na parte burocrática, de administração, no nível de excelência em competência. Isso é a prova de que a mulher pode assumir qualquer posição de gestão”, considera Flavio Hosken, do Conselho Fiscal da Cooperativa.

Henriqueta informa que a cooperativa faz um planejamento interno. “Não adianta fazer as coisas depressa, correndo. Quando chegar 2026, podemos ter ofertas mais ampliadas e mais segurança naquilo que vamos ofertar, pois as demandas vão aparecer”, projeta. Um dos planos futuros é aumentar o número de cooperados de acordo com a possibilidade de crescimento da cooperativa.

Ivana Silveira de Castro é uma das cooperadas. Ela decidiu se cooperar por acreditar que a saúde contempla a mente e o corpo, em sintonia com a proposta da cooperativa de “trabalhar as emoções e o cuidado por meio da arte”. Em entrevista a Século Diário enquanto preparava uma vivência com outras cooperadas, Ivana explica como é esse trabalho e seus impactos entre os participantes.

Formação e protagonismo

Para que mais Selenes, Loredas, Leonardas e Henriquetas despontem, a OCB tem investido em formações voltadas especificamente para o público feminino. “As mulheres precisam se sentir capazes de assumir, de estar à frente, de expor suas opiniões. Para isso, desenvolvemos capacitações tanto em temáticas mais técnicas quanto de autoconhecimento. Além disso, o cooperativismo tem muitas particularidades em relação à gestão e à governança. Sempre nas nossas formações, colocamos módulos relacionados à governança para as mulheres entenderem como é o funcionamento”, comenta a analista de Desenvolvimento Humano, Julia Miranda.

Julia Miranda, analista de Desenvolvimento Humano da OCB-ES. Foto: Divulgação

Entre julho e novembro de 2024, a OCB realizou a primeira edição do Programa de Formação de Lideranças Femininas, do qual participaram 30 mulheres de 13 cooperativas e uma federação do Espírito Santo. Com módulos em formato híbrido, o curso coloca as participantes em contato com conhecimentos diversos necessários para o aprimoramento de competências técnicas e comportamentais. A segunda turma realizará suas atividades no próximo mês de outubro.

Em setembro do ano passado, foi dado mais um passo importante, com a criação do comitê estadual Elas pelo Coop ES. O grupo, formado por 38 mulheres cooperadas e empregadas em 28 cooperativas, é responsável por trabalhar em iniciativas que visam aumentar o protagonismo feminino no setor. O comitê nacional foi criado em 2020, com representantes de cada um dos estados brasileiros. A versão estadual foi anunciada pela OCB durante o Encontro Estadual de Mulheres Cooperativistas de 2023

Atualmente, o Elas pelo Coop ES, que conta com um comitê gestor formado por quatro mulheres, está em processo de elaboração de um plano de trabalho para os próximos anos. Entretanto, dois tipos de ação já têm sido colocados em prática: escrita de artigos sobre o tema, junto com a procura de espaços para divulgação dos textos; e realização de palestras pelas próprias mulheres envolvidas no comitê.

Antes mesmo da existência do comitê, porém, já existiam núcleos femininos nas cooperativas capixabas desde 2009, responsáveis por trabalhar a inclusão das mulheres nas comunidades em que atuam. Hoje, estão em atuação oito núcleos, gerenciados por sete cooperativas, reunindo 231 mulheres de 22 municípios do Estado. Inclusive, Nadya Bronelle, do núcleo feminino da Cooabriel, cooperativa de Nova Venécia, na região noroeste do Estado, é a atual representante do Espírito Santo no Elas no Coop nacional, tendo sido escolhida por atuar com os núcleos desde os primeiros anos de implementação. Em junho do ano passado, a OCB nacional também lançou um “Guia de Implantação de Estratégias em Inclusão, Diversidade e Equidade”, de forma a auxiliar na elaboração de ações relacionadas a essa temática em todo o Brasil.

São ações que buscam eliminar a desigualdade de gênero visível nos dados do Anuário do Cooperativismo Capixaba 2025, lançado pela OCB nessa quinta-feira (25). Os dados mostram que as mulheres passaram a representar 34,5% do quadro social do cooperativismo estadual em 2024. Os homens são maioria, representando 48,6%, e 16,9% eram compostos por cooperados Pessoa Jurídica (PJ). Em relação ao número de empregados, o público feminino é maioria absoluta: 60,8%, contra 39,2% de homens.

As mulheres formaram a maioria de cooperados apenas no ramo Consumo, onde alcançaram 57% em 2024, um aumento significativo em relação a 2023, quando o quantitativo era de 45%. No ramo da Saúde, também houve avanço de 35% para 41% entre 2023 e 2024. Os homens, por sua vez, foram dominantes como cooperados em ramos como Agropecuária (85%), Transporte (84%) e Trabalho, Produção de Bens e Serviços (72%).

Também foi no ramo de Consumo que foi empregado o maior número de trabalhadoras mulheres, 84,3%. Além disso, elas formaram maioria entre os funcionários de cooperativas nos ramos de Transporte (78%), Saúde (75,5%) e Crédito (60,7%). No setor de Infraestrutura, o quantitativo ficou dividido em 50% para homens e 50% para mulheres. Já no ramo de Trabalho, Produção de Bens e Serviços, o público feminino representou apenas 10,9%.

Apesar da presença significativa das mulheres no cooperativismo do Espírito Santo, elas ainda são minoria nos postos de comando. Em 2024, 62,9% dos cargos de direção e gerência eram ocupados por homens acima de 30 anos. Mulheres acima de 30 anos representaram 31,4%. Além disso, 3,4% dos cargos estavam ocupados por homens de até 29 anos, e 2,3% por mulheres da mesma faixa etária.

No que diz respeito à participação em conselhos de administração, observa-se até mesmo um retrocesso. As mulheres eram apenas 15,9% em 2022, índice que caiu para 14,8% em 2023, e 14,7% em 2024. Já nos conselhos fiscais, a presença feminina foi maior, mas houve uma oscilação nos números: a participação feminina ficou em 22,1% em 2022, 20,3% em 2023, e 21,9% em 2024.

Com relação aos dados a nível nacional, de acordo com o Anuário Coop 2025, do Sistema OCB nacional, a participação feminina entre os cooperados do Brasil aumentou de 40,75%, em 2023, para 41,78%, em 2024. No que diz respeito à força de trabalho, as mulheres representaram 52% do total de empregados no ano passado. Nos cargos de liderança, as mulheres eram apenas 23% em 2024 no Brasil. Nesse último quesito, portanto, o Espírito Santo, apesar de não apresentar bons números, está acima da média nacional.

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