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Mapeamento expõe desigualdades e desafios da mobilidade em Vila Velha

Projeto Cartografia Afetiva debate exclusões, conflitos e ocupação da cidade

Com o objetivo de propor uma leitura sensível e crítica sobre o território urbano, o projeto Cartografia Afetiva da Cidade tem mapeado trajetos, conflitos e afetos que atravessam o cotidiano de quem circula por Vila Velha. A proposta parte da ideia de que o mapa oficial não dá conta das experiências reais do município e que o espaço urbano é construído também por percursos, encontros e tensões sociais.

“Começamos a partir da impressão de vários mapas da cidade, espalhando sobre a mesa e deixando as pessoas intervirem, marcando pontos de descanso, vias perigosas, trajetos intensos e lugares de encontro. São coisas muito particulares, mas que, juntas, revelam como a cidade é vivida e o que ela esconde”, conta Rayan Braian, produtor da Casa Cultural 155, que abrigará a ação nesta sexta (14) e sábado (15), durante o Festival Ocupá.

O evento recebe encontro de ciclistas para debater desigualdades e potências envolvidas nas formas de mobilidade urbana, além da exposição coletiva Iconografia da Cidade, apresentação de música instrumental com o grupo Frita Lab e oficinas artísticas.

Ele descreve que a cartografia em construção nasce como um processo coletivo que já aponta problemas de mobilidade e segurança observados por ciclistas e pedestres. “Foram identificadas vias irregulares, ruas estreitas, lugares onde o trânsito é intenso e perigoso, e também a convivência conflituosa entre ciclistas, pedestres e carros. Isso tudo mostra a precariedade e a falta de planejamento para quem usa a cidade de verdade”, destaca.

Everton Thiago/PMVV

Os relatos reunidos até agora também expõem desigualdades na ocupação do território, com bairros periféricos e regiões históricas sofrendo os impactos da falta de infraestrutura e de políticas públicas. O contraste entre áreas valorizadas e zonas abandonadas aparece nas falas e nos desenhos, evidenciando o quanto a lógica do crescimento urbano segue afastando moradores de seus espaços de convivência e cultura. “As pessoas marcam lugares que foram importantes e que hoje estão fechados ou abandonados. É uma forma de lembrar o que a cidade perdeu e o que ainda resiste”, comenta Rayan.

A cartografia, segundo ele, também denuncia o processo de gentrificação que atravessa o Centro e o entorno da Casa 155. “Há um apagamento contínuo dos espaços populares, substituídos por condomínios e obras que não dialogam com o cotidiano das pessoas. É como se a cidade quisesse se tornar limpa e silenciosa, mas ao fazer isso, expulsa quem lhe dá vida. A gente sente isso na pele, por isso o projeto também é uma forma de reação”, explica.

A ideia da cartografia surgiu a partir da artista Sereia Tóxica, convidada da exposição coletiva e que apresenta uma obra visual criada a partir de seus deslocamentos pela cidade. “Ela já trabalha com essa ideia de cartografia ativa da cidade. Produz muito a partir das caminhadas, das críticas à gentrificação, aos altos edifícios e à perda de áreas livres”, afirma Rayan. “A partir disso, entendemos que fazia sentido abrir a exposição de forma coletiva, envolvendo outros artistas e coletivos que também pensam as camadas políticas e simbólicas da cidade”, relata.

A artista utiliza colagens, recortes e fragmentos coletados nas ruas para traduzir visualmente as mudanças e contradições do espaço urbano. Seu trabalho inspira uma reflexão sobre quem tem direito à cidade e quem é excluído dela, tema que ecoa nas demais obras da exposição e na construção da cartografia. O processo, portanto, ultrapassa a dimensão estética e assume uma função social: produzir memória, visibilidade e pertencimento.

Além de um exercício artístico, Rayan afirma o caráter político do projeto, ao propor uma perspectiva de ocupação da cidade como um gesto de resistência. “Estamos em um lugar da cidade que não foi destinado para nós. É uma ocupação simbólica, que cria conflitos e também propõe novos modos de estar. Tudo o que fazemos nesse espaço tem um caráter político e social, porque é o que garante nossa sobrevivência como movimento independente”, afirma.

Entre os grupos envolvidos estão os integrantes do Bike Fixa, que atuam com manutenção e incentivo ao uso da bicicleta na cidade. Durante o festival, o público poderá intervir no mapa, colando adesivos que representam zonas de tensão, vias rápidas, espaços de convivência e trajetos simbólicos. Também serão exibidos vídeos sobre o movimento cicloativista e conquistas ligadas à mobilidade urbana, como a ciclovia na Terceira Ponte.

O resultado deve gerar uma zine coletiva, com textos e registros do processo. “A ideia é que esse material sirva como referência, até para futuras reivindicações. Mas o principal é provocar as pessoas a agir, se articular e conectar. Talvez não tenhamos estrutura para levar isso às instituições, mas queremos mobilizar quem pode transformar isso em ação concreta”, aponta.

Além da ação de cartografia, a programação do Festival Ocupá reúne oficinas, vivências, feira de impressos, apresentações musicais. A Exposição Iconografia da Cidade ficará aberta até 14 de dezembro. O encontro busca fortalecer práticas de arte independente e o uso ativo do território urbano como espaço de criação e crítica social. “Essa arte gráfica e impressa nasce da rua e retorna para ela. É uma forma de ocupar a cidade com imaginação, presença e sentido”, conclui Rayan.

Serviço:
Festival Ocupá
Sexta e sábado (14 e 15), a partir de 18 horas
Iconografia da Cidade
Visitação: 14 de novembro a 14 de dezembro
Casa Cultural 155 – Avenida Jerônimo Monteiro, 155, Centro de Vila Velha
Entrada gratuita.

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