Sindiupes aponta contradições e limitações de programa sancionado por Casagrande
O governador Renato Casagrande (PSB) sancionou, nesta terça-feira (29), a Lei nº 12.520, que institui o programa “SOS Educação”, voltado à proteção de profissionais da educação vítimas de violência nas escolas. Apesar de considerar a medida importante, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes) afirma que a nova lei é limitada por focar apenas em casos de agressão física ou ameaça direta, ignorando as formas de violência mais comuns, como assédio moral, agressões verbais, intimidação e discursos discriminatórios, especialmente contra mulheres, pessoas negras e profissionais LGBTQIA+.

Para o sindicato, o Estado deveria dar passos mais consistentes na proteção dos educadores, como a revogação da lei que permite que pais ou responsáveis dos estudantes vetem a participação em aulas que abordem a temática de gênero, promulgada pela Assembleia Legislativa após o governador Renato Casagrande (PSB) se omitir e deixar passar o prazo para sanção ou veto. Segundo Gean Carlos Nunes, diretor do Sindiupes, “a maioria das violências que chegam ao sindicato não é física. Essa lei é importante, mas precisa ir muito além”, alertou.
A norma cria medidas protetivas e procedimentos a serem adotados nos casos de violência em instituições públicas e privadas contra profissionais da educação no Espírito Santo, incluindo professores, coordenadores, auxiliares, bibliotecários, bedéis, secretários e demais trabalhadores com contato direto com alunos.
A principal novidade é a padronização de um protocolo de resposta imediata a casos de agressão física ou ameaça direta à integridade física ou ao patrimônio do profissional da educação. No entanto, a lei não contempla situações de assédio moral, humilhações, perseguições institucionais, desrespeito verbal ou outras formas de violência simbólica e psicológica, que frequentemente fazem parte da realidade escolar. Esses tipos de violência não são reconhecidos como gatilhos para a aplicação das medidas previstas, tampouco há dispositivos específicos de acolhimento ou acompanhamento psicológico às vítimas.
Entre as ações previstas, estão o acionamento da polícia, atendimento médico à vítima, registro da ocorrência em até 36 horas, afastamento do agressor, e comunicação à Superintendência Regional de Ensino (no caso da rede pública) ou à instituição (na rede privada). Quando o agressor for menor de idade, a chefia imediata também deve notificar os responsáveis legais, acionar o Conselho Tutelar e comunicar ao Ministério Público Estadual (MPES).
A lei também responsabiliza pais, responsáveis legais ou gestores escolares que se omitirem diante dos fatos e ainda autoriza o gestor escolar a solicitar ao Judiciário que o agressor e, se necessário, seus pais ou responsáveis, sejam incluídos em programas oficiais ou comunitários de assistência e orientação – medida que pode ser relevante para a reeducação em contextos de violência recorrente.
Gean destaca que as ameaças são frequentes e muitas vezes ignoradas até que resultem em violência física. “Temos acompanhado vários relatos de educadores que vivem sob constante medo. São ameaças de retaliação, constrangimento nas redes sociais, olhares intimidadoras, pais que invadem a escola para ‘cobrar’ professor. Isso corrói o ambiente escolar e não aparece nos boletins de ocorrência”, afirmou.
Um dos casos recentes é o da professora Alice Rena, uma mulher trans que tem sofrido ofensas recorrentes por parte de um aluno na rede municipal de Guarapari. A lei, como foi sancionada, não traz diretrizes de prevenção e ação pedagógica diante dessas situações, observa o dirigente sindical. “Ela foi xingada dentro da sala de aula, violentada verbalmente de forma absurda”, critica. Segundo ele, isso continua acontecendo porque não há estrutura ou orientação nas escolas para lidar com esse tipo de violência cotidiana. Alice denuncia que a Secretaria Municipal de Educação não ofereceu respaldo suficiente, mesmo após denúncias formais, cartas protocoladas e apelos por medidas pedagógicas e preventivas.
Gean também apontou uma incoerência na postura do governo estadual. “É contraditório sancionar uma lei para proteger os educadores, mas ter se omitido diante da lei que proíbe o ensino de gênero. Essa outra norma nos fragiliza ainda mais, porque dá margem para censura e perseguição a professores”, criticou. Para ele, a liberdade de ensinar e aprender está sendo ameaçada por legislações que atendem à pressão de grupos conservadores com uma atuação que tem vulnerabilizado tanto os trabalhadores da educação como os estudantes vítimas de violência, pois a discussão desses temas é um dos recursos dos educadores para fazer o enfrentamento às opressões.

O sindicato defende que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) e o Supremo Tribunal Federal (STF) julguem o mais rapidamente possível as ações contra a censura de conteúdo pedagógico. “Cada dia com essa lei valendo é uma vergonha. Ela dá ao pai ou ao aluno a falsa sensação de que podem decidir o que o professor pode ou não ensinar”, critica.
Além de tratar da violência direta, o sindicato alerta para o adoecimento mental de profissionais que se sentem censurados, ameaçados ou desautorizados em sala de aula. Gean aponta que o ambiente escolar tem sido alvo de uma ofensiva ideológica que transforma o educador em inimigo. “O professor não está em sala para fazer militância. Está ali para ensinar, com base em ciência, em planejamento, em formação. Toda escola tem conselho, tem projeto pedagógico. O que se ensina ali foi construído coletivamente”, reiterou.
Embora seja necessária, Gean enfatiza que lei que institui o programa “SOS Educação” expõe a fragilização institucional do trabalho do educador e a “sensação de insegurança, censura e desrespeito” nas unidades de ensino. “É lamentável que precisemos de uma lei para reforçar o óbvio, que é o respeito aos profissionais da educação. Mas é ainda mais lamentável que, ao mesmo tempo, o Estado fragilize esses trabalhadores ao deixar vigente uma legislação que censura o ensino e desvaloriza o papel do professor”. Ele alerta que essa contradição pode aumentar a sensação de insegurança e censura dentro das escolas, prejudicando não só os profissionais, mas todo o processo educacional.
Censura escolar
Depois de ação protocolada no Supremo pela Aliança Nacional LGBTI+, a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e o Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans) e, no TJES, pela Executiva estadual do partido Psol, o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) entrou com uma representação no Tribunal de Contas (TCES) pedindo a suspensão imediata da lei que permite o veto a ensino sobre gênero nas escolas, e que o governo estadual e as prefeituras não tomem nenhuma medida baseada na nova norma e se abstenham de regulamentá-la.
De acordo com o órgão ministerial, a lei apresenta graves problemas de inconstitucionalidade e pode causar danos à educação pública, além de gerar gastos desnecessários. O pedido é analisado no Processo nº 5781/2025, sob relatoria do conselheiro Rodrigo Chamoun.
A lei obriga as escolas a informar previamente aos pais sobre atividades pedagógicas que tratem de gênero, exigindo autorização expressa. Caso não sigam a regra, os profissionais e instituições podem ser responsabilizados civil e penalmente. Também determina que o governo estadual regulamente as punições em até 90 dias.
Para o Ministério Público de Contas, a norma cria um mecanismo de censura, retirando a autonomia dos educadores e restringindo o debate sobre diversidade nas escolas. Além disso, impacta a estrutura e o orçamento da educação pública, pois pode exigir mudanças em materiais, formação de professores e projetos em andamento — tudo isso sem previsão de recursos.
O MPC aponta ainda que a lei fere a Constituição ao invadir competência da União para legislar sobre diretrizes da educação. A Procuradoria e o setor jurídico da Assembleia Legislativa do Espírito Santo já haviam alertado para essa irregularidade quando a proposta tramitava na Casa. Outro ponto criticado é que o Conselho Estadual de Educação não foi ouvido, apesar de ser o órgão responsável por dialogar com a comunidade escolar. A representação também destaca que a proposta deveria ter partido do Poder Executivo, pois trata da organização da administração pública. Ao ser apresentada por parlamentares, fere o princípio da iniciativa privativa do Executivo.
No campo dos direitos fundamentais, o MPC afirma que a lei compromete a liberdade de ensinar, a gestão democrática das escolas e o direito à educação de qualidade. Ao depender de autorização dos pais, os professores perdem autonomia sobre o conteúdo das aulas. A norma também pode incentivar a exclusão de alunos LGBTQIA+ e dificultar o combate à discriminação. Além disso, viola o Estatuto da Criança e do Adolescente e princípios constitucionais como igualdade e não discriminação, criando um tratamento desigual entre os estudantes.