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Presidente Kennedy: líder em royalties, último lugar nos indicadores sociais

Segundo levantamento, Itapemirim também gasta mal o dinheiro do petróleo

PMPK

Após duas décadas de extração de petróleo na camada do pré-sal da Bacia de Campos, pesquisas têm apontado que os municípios que mais recebem royalties pela exploração dos recursos naturais não transformaram o aumento de receitas em desenvolvimento socioeconômico. O caso de Presidente Kennedy, no litoral sul do Espírito Santo, é emblemático: líder em royalties per capta, tem os piores índices do Estado em dez indicadores sociais – conforme destacado por reportagens da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, divulgadas nesta semana.

A agência fez um comparativo entre 15 municípios brasileiros que receberam royalties per capta, entre 1999 e 2024, sendo 12 do Rio de Janeiro, dois do Espírito Santo e um de São Paulo. Presidente Kennedy, com população estimada de 14,6 mil habitantes, recebeu a pior nota: 1,7, em uma escala de 0 a 10, apesar de ter conseguido uma renda per capta de R$ 389,5 mil no período analisado. O ranking avaliou a posição das cidades em seus respectivos estados, em áreas como educação, saúde e trabalho.

Itapemirim, cidade de 43,3 mil habitantes, vizinha de Presidente Kennedy no litoral sul, ficou em oitavo lugar no ranking, ganhando a nota 4,3, também muito distante da nota máxima. Entre 1999 e 2024, o município recebeu R$ 90 mil em royalties per capta.

Segundo a plataforma InfoRoyalties, da Universidade Candido Mendes, Presidente Kennedy foi o maior arrecadador de royalties no Estado em 2024 (16,09%, 140,42 milhões); à frente de Linhares (14,19%, 123,79 milhões), no litoral norte; Marataízes (14,16%, R$ 123,59 milhões), no litoral sul; Itapemirim (13,22%, 115,32 milhões); e Aracruz (3,47%, 30,24 milhões).

Já a verba da Participação Especial (PE) – direcionada aos municípios que fazem fronteira com os maiores campos petrolíferos – ficou concentrada no litoral sul. Os que mais arrecadaram foram Presidente Kennedy (34,31%, R$ 54,12 milhões), Itapemirim (33,43%, R$ 52,79 milhões), Marataízes (31,97%, R$ 50,43 milhões) e Piúma (0,26%, 417,76 mil).

Em uma das matérias, a Agência Pública destaca os casos específicos de Presidente Kennedy e Campos dos Goytacazes (RJ). O município do litoral sul capixaba recebeu R$ 5,7 bilhões em royalties entre 1999 e 2024. Mesmo assim, um quarto da população está abaixo da linha da pobreza, e 61% está registrado no Cadastro Único (CadÚnico), que permite acesso a programas sociais.

O município teve a sexta pior taxa de óbitos evitáveis ajustada pela idade e a 13ª pior taxa de mortalidade infantil do Estado em 2023, de acordo com dados do Ministério da Saúde. A população precisa frequentemente se deslocar para Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado) para ter acesso a serviços especializados. Mães também não consegue dar à luz a seus filhos fora do município, e há relatos de partos que precisam acontecer no meio do caminho.

No Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, Presidente Kennedy teve a quarta pior nota do Estado, de 5,5, muito abaixo de cidades que possuem receita bem inferior. Além disso, 12,63% da população é analfabeta. Além disso, menos de 4% dos moradores têm acesso a esgotamento sanitário e 25% têm acesso a água, penúltima e antepenúltima colocações estaduais, respectivamente.

Também faltam oportunidades de emprego com carteira assinada: o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de fevereiro deste ano apontava 1.378 vagas, o que representa menos de 10% dos habitantes. A maior parte dos kennedenses depende do poder público municipal, seja por meio de auxílios ou vagas de trabalho. O gasto com empregados públicos é dez maior do que a média nacional.

Contradições

Os baixos índices aparecem a despeito dos robustos investimentos públicos. Segundo a Agência Pública, Presidente Kennedy foi o município do Estado que mais destinou dinheiro per capta para educação básica (R$ 45,5 mil por aluno, três vezes a média estadual), saúde (R$ 5,4 mil por habitante, quase quatro vezes a média capixaba) e infraestrutura social, incluindo urbanismo e saneamento (R$ 8,7 mil por pessoa, mais de dez vezes a média).

O pesquisador Sergio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi ouvido sobre o assunto pela Agência Pública, e opinou que a explicação para essa contradição está na forma como os municípios petroleiros usam o dinheiro, acabando por desperdiçá-lo.

“Esse recurso é muito mais usado em gastos de custeio [como pagamento de funcionários] do que de investimentos. Ou seja, muito mais em gastos que podemos chamar de improdutivos do que em gastos que poderiam melhoram a qualidade da educação ou da saúde”, comentou. É comum as prefeituras inflarem a máquina pública com servidores temporários, driblando a proibição de contração de funcionários fixos com o dinheiro do petróleo.

Os baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico verificados em todos os 15 municípios analisados pela reportagem são reveladores do que estudos chamam de “maldição dos recursos naturais” ou “paradoxo da abundância” – pelo fato de as cidades não conseguirem traduzir a abundância econômica em benefícios sociais, tornando-se cada vez mais dependentes da verba oriunda de um recurso finito.

Paralelamente, abundam os casos de corrupção nessas cidades. Presidente Kennedy teve dois prefeitos presos nos últimos anos: Reginaldo Quinta e sua sobrinha, Amanda Quinta. O ex-prefeito, Dorlei Fontão (PSB), foi o mais votado nas eleições de 2024, mas foi barrado porque a Justiça Eleitoral identificou uma tentativa de terceiro mandato consecutivo. O Executivo segue sendo ocupado interinamente pelo vereador Júnior de Gromogol (PSB), aliado político de Dorlei.

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