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Vila Velha convoca audiências para revisão do Plano Diretor Municipal

Mudanças na proteção de áreas ambientalmente sensíveis são um dos pontos de alerta

A Prefeitura de Vila Velha vai realizar audiências públicas nos próximos dias 5 e 20 de janeiro, ambas às 19h, no auditório do Parque Urbano Duque de Caxias (Titanic), com objetivo de revisar o Plano Diretor Municipal (PDM). O documento anterior foi aprovado em 2018 e passou por atualizações em 2023, mas segue alvo de críticas por parte de ambientalistas, técnicos e moradores.

A manutenção das regras que limitam a verticalização, garantem a preservação ambiental e impedem novas intervenções urbanísticas em áreas sensíveis, como Interlagos, Morada do Sol e trechos do litoral ainda preservados, volta a ser um ponto de defesa na região 5 por moradores e ambientalistas. Entre eles Angelita Zanotti, que integra o Fórum Popular do município e participou das reuniões do ano passado, quando, como recorda, a população conseguiu garantir avanços importantes.

“Nós votamos para que, nas áreas de Interlagos e Morada do Sol, só fosse permitido prédio de até dois andares. Espero que isso continue. Não queremos que passe calçadão onde eu moro. A praia é brava e linda, não tem quiosque, é muito sossegada”, afirmou.

Um dos pontos mais controversos do novo PDM é a mudança no zoneamento das Zonas de Especial Interesse Ambiental (Zeia’s), criadas para proteger áreas de relevância ecológica no município, como apontou o relatório apresentado pelo Instituto Jones dos Santos Neves.

De acordo com ambientalistas e técnicos que acompanham o processo, diversas áreas legalmente reconhecidas como Áreas de Preservação Permanente (APP) pelo Código Florestal e pela legislação estadual estariam sendo reclassificadas de Zeia A para Zeia B, o que, na avaliação deles, representa um retrocesso ambiental. Entre os exemplos citados estão áreas alagadas e ecossistemas estratégicos para o equilíbrio ambiental de Vila Velha.

Outro ponto de forte contestação foi a transformação da Reserva de Jacarenema de Zeia B em Núcleo de Desenvolvimento (ND), categoria prevista no novo PDM para áreas consideradas estratégicas ao desenvolvimento urbano. O Plano define 11 Núcleos de Desenvolvimento, incluindo o ND-A (Setor Portal Jacarenema) e o ND-B (Orla de Itaparica).

PMVV

Para o militante do Comitê Popular da Região 5, Darí Lourenço Marchesini, a revisão do PDM tem aberto margem para ampliar a exploração de áreas ambientalmente sensíveis. “O que tem sido colocado é essa abertura das áreas ambientais para exploração, para estruturas e para as construtoras. Áreas que ainda existem e que são fundamentais para o município, como a Lagoa Encantada, o Morro do Moreno e outros territórios”, afirmou.

Segundo ele, a pressão por expansão urbana tem avançado também sobre Unidades de Conservação (UCs) e áreas próximas à orla, e há uma preocupação de que se perpetue o racismo ambiental quando a prefeitura não protege essas áreas, pois as comunidades mais empobrecidas costumam ser as mais afetadas por catástrofes, alagamentos e deslizamentos, enquanto os interesses privados são beneficiados.

“Quem tem mais condição financeira mora em prédios ou em áreas fora dessas regiões. O nosso povo é quem sofre com essas questões ambientais, e parece que isso não importa para quem toma as decisões”, completou.

Além das Zeias’s, as audiências também discutiram temas como verticalização versus adensamento, coeficientes urbanísticos e a ausência da tabela de usos no projeto de lei, o que, de acordo com críticos, inviabilizou um debate mais aprofundado durante as audiências. Outro ponto sensível envolve áreas de risco, como regiões alagáveis e encostas, que não deveriam ser ocupadas, e acabaram se tornando bairros consolidados ao longo dos anos, enfrentando recorrentes alagamentos e deslizamentos, com prejuízos materiais e humanos.

Diante desse cenário, moradores e movimentos populares defendem maior participação popular nas audiências de janeiro, cuja data da convocação, em meio ao período de recesso e férias escolares, também é contestada, devido ao risco de esvaziamento do debate.

CMVV

Projeto do Executivo

Em maio deste ano, a Câmara de Vila Velha aprovou o Projeto de Lei nº 035/2024, de autoria do prefeito Arnaldinho Borgo (sem partido), que altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 6.801/2023, responsável pela Política de Regularização Fundiária Urbana do município.

A matéria alterou dispositivos da lei vigente, como ajustes nas exigências de documentação técnica para o processo de regularização, com a possibilidade de dispensar a apresentação de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) ou Termo de Responsabilidade Técnica (TRT) nos respectivos conselhos de classe, quando os responsáveis forem servidores ou empregados públicos. Outra mudança foi a inclusão do artigo 83-A, que permite a regularização de “parcelamentos para fins urbanos implantados antes de 19 de dezembro de 1979 que não possuírem registro no competente cartório de registro de imóveis, desde que estejam integrados à cidade e possam ser atestados pela prefeitura”.

A dispensa da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) em projetos de regularização fundiária elaborados por servidores públicos provocou reação do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES), que emitiu uma nota de repúdio à matéria. Para o conselho, a medida representa “uma afronta à legislação federal vigente”, contrariando dispositivos das Leis nº 5.194/66, 6.496/77, 6.766/79 e 13.465/17, e “coloca em risco a segurança da população, a legalidade dos atos administrativos e a fiscalização adequada do exercício profissional”.

Ainda segundo o Crea-ES, ao permitir substituições informais da habilitação legalmente exigida, o projeto compromete princípios fundamentais da engenharia pública. “Qualquer iniciativa que fragilize esses pilares será enfrentada com rigor técnico, jurídico e institucional”. A ART, segundo o conselho, é um instrumento legal indispensável por assegurar a responsabilidade técnica e jurídica em intervenções urbanísticas e por identificar formalmente os profissionais responsáveis por projetos que afetam diretamente a coletividade, como saneamento, parcelamento do solo, drenagem e habitação.

Panorama habitacional

O Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou 516 favelas e comunidades urbanas no Espírito Santo, caracterizadas pela precariedade na infraestrutura urbana, insegurança na posse dos imóveis e ausência ou insuficiência de serviços públicos básicos. Vila Velha aparece como o terceiro município com maior número dessas comunidades, concentrando aproximadamente 11,8% dos agrupamentos subnormais (61, no total), atrás apenas de Cariacica (79) e Serra (68), todos da região metropolitana.

De acordo com o relatório da Fundação João Pinheiro (FJP), o déficit habitacional capixaba saltou de 83,2 mil domicílios em 2019, para 92,2 mil em 2024 – o equivalente a 6,3% das moradias do Estado. Em todo o Brasil, o déficit atinge mais de 6,2 milhões de domicílios.

Entre janeiro de 2022 e junho de 2024, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) registrou 59 casos de remoções coletivas e ameaças de despejo em todo o Estado, 47 em áreas urbanas e 12 em áreas rurais, atingindo cerca de 9,4 mil famílias, ou mais de 37 mil pessoas. A maior parte das ocupações ameaçadas surgiu antes da pandemia, o que reforça a necessidade urgente de políticas habitacionais efetivas e permanentes, como enfatiza a DPES.

No caso específico de Vila Velha, os números evidenciam a pressão urbana crescente sobre áreas periféricas e ambientalmente sensíveis. Em janeiro de 2025, ambientalistas expressaram preocupações quanto à implantação do bairro planejado Costa Nova, localizado na zona de amortecimento do Parque Natural Municipal de Jacarenema, em uma área de 615 mil m² entre Araçás e Jockey, de frente para a Rodovia do Sol e a praia.

A liberação do projeto pela Prefeitura de Vila Velha foi condicionada ao financiamento de obras de compensação ambiental, incluindo a construção da nova Ponte da Madalena e de uma ciclovia no parque. No entanto, movimentos sociais e especialistas denunciaram impactos ecológicos negativos, como a degradação da restinga em uma zona de proteção permanente.

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