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A epifania dos otários

“Malucos” do AI-5 são objetos de mofa de Bolsonaro

Mauro Cid foi o primeiro réu do chamado “núcleo crucial” a ser interrogado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O tenente-coronel e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro fechou uma delação premiada com a Polícia Federal, sendo então o primeiro a depor, como estabelece a lei, para garantir que os outros réus conheçam as acusações antes de falarem. No total são oito acusados de integrarem esse “núcleo crucial” da trama golpista do fim de 2022.

Estes oito são todos réus e foram interrogados. Em ordem de depoimento, são eles: Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência e delator); Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência); Almir Garnier (ex-comandante da Marinha); Anderson Torres (ex-ministro da Justiça); Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional); Jair Bolsonaro (ex-presidente da República); Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa); e Walter Braga Netto (general da reserva e ex-ministro da Casa Civil).

A PGR atribuiu ao grupo cinco crimes, que incluem abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; organização criminosa; dano qualificado, que é destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e ainda o crime de deterioração de patrimônio tombado, que é destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial.

Mauro Cid confirmou, em depoimento, que Jair Bolsonaro recebeu a minuta do golpe, leu e pediu alterações. Com o ex-presidente fazendo com que se retirasse da tal minuta trechos que incluíam prisões de ministros do STF e de outras autoridades. Mauro Cid também manteve a sua versão de que Bolsonaro tanto sabia como participou de tratativas para convencer os comandantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe.

Portanto, de acordo com a delação de Mauro Cid, a acusação da PGR sobre golpe de Estado é verídica, confirmando seus relatos anteriores, integralmente. Na alteração da minuta, no entanto, o ministro Alexandre de Moraes, que na época da trama golpista presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), continuou como alvo de prisão, além de Mauro Cid lembrar da pressão de Jair Bolsonaro sobre o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em relação a um relatório questionando a lisura das urnas eletrônicas, com o objetivo de contestar e anular as eleições de 2022.

Logo surgiu um relatório entregue pelos militares que não apontava fraudes no sistema eleitoral. Mas Paulo Sérgio Nogueira desmarcou a reunião de entrega das conclusões para o TSE depois da pressão de Jair Bolsonaro, o que abriu o precedente para contestar a lisura do processo eleitoral e justificar uma possível intervenção militar.

Mauro Cid afirmou não ter tomado conhecimento do plano chamado “Punhal Verde e Amarelo”, pois ficou sabendo pela imprensa, quando soube da prisão dos militares denominados “kids pretos”, com tal plano que, por sua vez, acabou sendo detalhado a partir de investigações da Polícia Federal, no que se referia à “Operação Contragolpe”, que prendeu tanto militares como policiais suspeitos.

Lembrando que o plano chamado de “Punhal Verde e Amarelo” era uma operação que previa o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, como um desdobramento do golpe de Estado que seria dado no final de 2022. A trama teve envolvimento do candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, o general da reserva Braga Netto, além do major Rafael de Oliveira, que fazia parte do grupo dos “kids pretos”, um destacamento de militares das Forças Especiais do Exército. Réu no processo, o general Braga Netto está preso desde 14 de dezembro de 2024, acusado de atrapalhar as apurações sobre a tentativa de golpe de Estado.

Mauro Cid ainda disse que Jair Bolsonaro não agiu para a desmobilização dos acampamentos golpistas montados em frente aos quartéis-generais do país após as eleições de 2022, o que foi uma omissão que funcionou como uma anuência aos atos que pediam intervenção militar e que refutavam o resultado das eleições. Por fim, foi a permanência de tais acampamentos, já depois da diplomação de Lula, que representou um dos fatores principais que levou aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 nos Três Poderes em Brasília.

Jair Bolsonaro foi o sexto réu a comparecer à oitiva do STF, sendo apontado pela PGR como peça-chave da organização criminosa que atuou pelo golpe de Estado e, consequentemente, ruptura do regime democrático no país. Entretanto, ao ser questionado por Moraes se a denúncia procedia, afirmou que não. “Não procede a acusação, excelência”, disse. Em seguida, o ex-presidente foi questionado sobre a desconfiança das urnas, ao que respondeu: “A desconfiança das urnas não é algo privativo meu”.

Jair Bolsonaro negou a existência do plano golpista, embora tenha admitido ter conversado com altos funcionários das Forças Armadas para analisar medidas legais contra o resultado das eleições. Ou seja, ele reconheceu que discutiu alternativas dentro da Constituição Federal com comandantes militares, sem especificar, no entanto, quais alternativas seriam essas. O ex-presidente negou, por conseguinte, que tenha estimulado os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e chamou de “malucos” aqueles que pediam intervenção militar no Brasil. 

“Tem os malucos que ficam com essa ideia de AI-5, de intervenção militar das Forças Armadas…que os chefes das Forças Armadas jamais iam embarcar nessa só porque o pessoal estava pedindo ali”, afirmou o ex-presidente durante interrogatório na Primeira Turma do STF. Bolsonaro declarou que não estimulou que as pessoas fizessem atos ilegais e que, após perder as eleições, ficou recluso no Palácio da Alvorada.

Jair Bolsonaro declarou ainda que arrecadou R$ 18 milhões por meio de uma campanha de doação após deixar o Palácio do Planalto, para custear as despesas. O ex-presidente comentou que obteve mais dinheiro que o Criança Esperança, da Rede Globo. “Se não fosse a campanha do Pix, eu não estaria sobrevivendo hoje em dia. R$ 17 milhões, depois teve um pingado, chegou a R$ 18 milhões. E a gente gasta. Eu não posso trabalhar de graça. Não teria como ajudar meu filho, que está nos Estados Unidos, também. Então, eu agradeço. Eu arrecadei mais dinheiro que o Criança Esperança”, disse.

Ou seja, ao fim, o depoimento de Jair Bolsonaro revelou para seus otários a dica que faltava, é o que eu chamo de “a epifania dos otários”, que incluem os malucos do AI-5, pedindo intervenção militar, sendo objeto de mofa do ex-presidente, e os campeões dos otários, que foram os doadores de Pix, para que o ex-presidente, por exemplo, ajude agora seu filho Bananinha no périplo golpista e ilegal, nos Estados Unidos, um canto do cisne diplomático, numa tentativa canhestra de virada de mesa.

Por fim, esses depoimentos no STF marcam a reta final da instrução penal, em que se reúnem provas para embasar o julgamento final, e depois da etapa de diligências, se abre um prazo de 15 dias para apresentação das alegações finais, quando o presidente da Primeira Turma do STF, ministro Cristiano Zanin, poderá marcar a data do julgamento final por esta mesma Turma do STF.

Nessa sessão, ou em sessões subsequentes, o relatório final de Moraes será lido, e o ministro relator proferirá seu voto. Em seguida, os demais ministros votarão pela absolvição ou condenação dos oito réus para cada crime imputado. Em caso de maioria de votos pela condenação, os ministros procederão à dosimetria penal, o cálculo da pena da sentença, considerando atenuantes e agravantes conforme previsto na legislação.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: poesiaeconhecimento.blogspot.com

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