A escola é que liberta
Ao analisar o sistema penitenciário, conforme a política de encarceramento do Estado brasileiro, não seria leviano concluir que: para a chegada das pessoas ao cárcere, houve também o concurso do Estado.
Basta analisarmos os perfis das pessoas encarceradas, que vamos encontrar uma população majoritariamente jovem, sem escolaridade, pobre, preta e de periferia. São as mesmas que vivem em territórios com ausência do Estado, como provedor, e presença maciça como repressão policial. Os equipamentos públicos, quando ali são oferecidos, em sua maioria são precários. Isso sem falar na discriminação que sofrem ao sair desses seus territórios e adentrar a sociedade como um todo, uma vez que sua pele, seu endereço e toda sua linguagem denunciam sua condição de pobreza, de antemão criminalizada pela "visão social", principalmente no trânsito em "áreas nobres" das cidades.Este cenário, dentre outras coisas, lhe desvia da escola e exclui do mercado de trabalho, lhe transparecendo que na sociedade não tem um "seu lugar".
É também muito comum que nesses territórios se estabeleça o "mundo do crime", propiciando às suas populações o desenvolvimento de um "estado" próprio que venha a atender suas necessidades: econômico-financeiras, de consumo, lazer e até mesmo segurança, negadas pela sociedade.
O tráfico ilícito de drogas, se aproveitando da ausência do Estado, "se garante" nas comunidades oferecendo trabalho, já a partir da pré-adolescência, o que, por um lado, salva essa população vulnerável da fome e desassistência, mesmo que com vida curta, até que "a casa caia" e, por outro, força o Estado a "caça ao bandido" que poderia ser naturalmente expurgado pela sociedade se esta exclusão não fizesse com que ela não se sinta parte dele.
Uma vez encarcerado, seja na adolescência, quando a hipocrisia social chama de "internação de menores em conflito com a lei" ou nos presídios, encontrando-se sob a guarda do Estado, sua visão de mundo continuará a mesma. Percebe claramente que: apesar desta sociedade, que lhe é estranha, declarar que o objetivo de seu encarceramento é a ressocialização, está sendo punido com um cárcere superlotado e, muitas vezes desumano, só encontrando alento nos próprios companheiros de cárcere, o que geralmente, o insere cada vez mais no "mundo do crime".
Uma das possibilidades de mudança em sua visão de mundo e de si mesmo está na educação, mas se formos verificar as condições e o funcionamento da escola nos espaços de privação de liberdade, veremos que, no geral, são ainda mais precárias que aquela que ele abandonou em seu território, tendo em vista que, desde a concepção do cárcere, toda sua estrutura física e até filosófica, ancorada nos por quês de sua existência serem mais voltados à vingança que à justiça, não foi priorizado a educação. Afinal, a sociedade que paga pelo seu encarceramento não admite que ele tenha um tratamento digno, uma vez que está convencida de que ele errou e "precisa é ser punido e não ter privilégios em detrimento do cidadão de bem".
Aqui o pensamento de Hannah Arendt, filósofa alemã de origem judia, nos esclarece bem: "A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele".
Infelizmente, preferimos o paradoxo!
Negamos direitos, cidadania, fracassamos na administração da vida em comum e protestamos ante a perspectiva de investir para a correção desses nossos próprios erros, culpabilizando aquele que, na maioria das vezes, é a vítima.
Para um mínimo de coerência, a escola no presídio, agradando ou não essa "maioria moral", precisa ser melhor que a escola comum para que haja alguma possibilidade de o erro do Estado ser corrigido, oferecendo às pessoas encarceradas uma "porta de saída" dessa "caverna" estabelecida em sua vida e, para que no cárcere, o propósito de ressocialização tenha alguma chance de ser alcançado, devolvendo à sociedade um sujeito esclarecido, educado, autônomo e protagonista, numa melhor palavra: um cidadão.
Melhor ainda, o encarcerado tem tempo e sede de ocupá-lo, daí posso arriscar uma opinião: uma escola modelo, de tempo integral, com projeto pedagógico específico, ensino profissional e desenvolvimento cultural nos presídios tem grandes chances, inclusive, de reduzir os custos para o Estado, mas principalmente otimizar objetivos no sentido da ressocialização no encarceramento.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia
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Comentários: 3
Todos excelentes.
Tratar de educação dentro do âmbito prisional, ainda prisiona muita a sociedade, tendo em vista que a dificuldade de pensar fora da caixinha de forma de reloca-los para um direito social que não tiveram: EDUCAÇÃO. Mas será que existe uma reformulação e reabilitação dos mesmos?
A frase que bem resume o ciclo sem fim de exclusão e punição: "Afinal, a sociedade que paga pelo seu encarceramento não admite que ele tenha um tratamento digno, uma vez que está convencida de que ele errou e "precisa é ser punido e não ter privilégios em detrimento do cidadão de bem".