Os 50 anos do golpe militar de 1964 deram origem a uma overdose de artigos, reportagens, debates e seminários sobre a ditadura e suas consequências sobre a vida dos brasileiros. Aparentemente, não resta nada a dizer, mas na realidade ainda não se falou tudo. Muitas pessoas ainda guardam na memória episódios que poderiam servir como matéria-prima de um gigantesco memorial.
Lembro que, no dia 1 de abril de 1964, as aulas foram suspensas logo no início do dia. Eram 8 e meia da manhã e estávamos na rua principal. As lojas fechavam as portas recém-abertas e os funcionários se encaminhavam uns para o abrigo de ônibus junto ao Mercado Público, outros iam para a frente de prefeitura, onde a desarticulação dava o tom.
Ninguém entendia muito bem o que estava acontecendo. Uns tentavam organizar uma passeata de protesto contra o golpe ou de apoio aos militares, mas ninguém possuía convicção ou vontade suficiente para agregar gente em torno de si. Outros queriam aproveitar o feriado para pescar, visitar os parentes ou simplesmente vadiar.
Mas o que fazer numa manhã de outono? O que a maioria se perguntava era se o l de abril de 1964 seria um feriado tão duradouro quanto o da Legalidade, no segundo semestre de 1961, quando ficamos uma semana em casa ouvindo tudo pelo rádio. Não sabíamos o que fazer nem qual o propósito daquela movimentação militar. A manipulação política havia sido muito grande dos dois lados do campo. Venceu o lado mais forte e organizado. A maioria ficou entre a apatia e a perplexidade, dois comportamentos interpretados como adesão ao golpe e condenação à agitação esquerdista dos meses precedentes.
Infelizmente o golpe de 64 foi a rebordosa da legalidade. Cinquenta anos depois, parece que a lição foi aprendida pela maioria dos brasileiros: mais vale a liberdade civil com o risco de algum bagunça do que a ordem militar como fonte de medo e opressão.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Precisamos ser amigos de nossos inimigos”
João Goulart, no exílio uruguaio, ao explicar porque aceitara encontrar-se com seu arqui-inimigo político Carlos Lacerda, um dos líderes do golpe de 64, depois colocado para escanteio pelos militares