Quinta, 25 Abril 2024

A saúde está doente

 

A inédita e histórica audiência pública promovida pelo Poder Judiciário na quinta-feira (30) deixou expostas as chagas do sistema de saúde pública no Espírito Santo e algumas certezas: 1) a privatização do setor anda a passos largos; 2) o secretário de Saúde está imobilizado pelo sistema; 3) algo de muito podre ronda a gestão da saúde pública há muito tempo; 4) de alguns anos para cá, há muito mais interesse em construir presídios do que investir na saúde; 5) “tá dominado, tá tudo dominado”; 6) pouca gente está interessada em aproveitar as oportunidades de participação popular na discussão dos grandes problemas.
 
Ficou a nítida impressão de que vivemos uma sociedade cada vez mais individualizada e pouco preocupada com a coletivização da vida. Mais de 5 mil ações tramitam na Justiça envolvendo a saúde pública, mas 99% envolvem interesses particulares, de pessoas que não se viram satisfeitas em algum momento. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Não se compreende o setor como um bem coletivo, mas individual.
 
Ficou claro que um grupo interessado no desmonte do aparelho público de saúde age na calada da noite e à luz do dia, à custa da dor e do sofrimento humano, sem dó nem piedade. É cansativo discutir o bem público, notadamente, quando isso ocorre em dia e horário nos quais os seres humanos normais estão batalhando por suas necessidades mais imediatas. Entretanto, vale o sonho dos que acreditam que uma outra realidade é possível.
 
Todas as falas, exceto a oficial, é óbvio, indicaram que a saúde pública, um bem comum, está sendo desmontada para atender a interesses de grupos privados, do mesmo modo que fizeram com a educação e a segurança pública. Evidenciou-se, na fala de um membro do Conselho Municipal de Saúde de Vitória, que há, entretanto, um sentimento de indignação: não se cumpre a Constituição e ninguém é punido por isso, porque há muita retórica em jogo.
 
Senti vontade de levantar-me, em meio às discussões, e gritar bem alto: roubar dinheiro da saúde pública é homicídio doloso, crime hediondo, a ser punido com prisão perpétua, com trabalhos forçados, lamentavelmente, penas não previstas em nossa lei.
 
Na gerência da Secretaria da Saúde é gestado um projeto, segundo seus responsáveis, que deverá ser executado no segundo semestre de 2013, tratado, internamente, como “Transcol da Saúde”. Seu objetivo: criar um sistema de “transporte sanitário” (perdoem-me, mas o nome, mesmo que seja, tecnicamente, adequado, é horrível...), ou seja, uma rede pública e regular de transporte de usuários do sistema de saúde oficial, previamente agendados, para atendimento em hospitais de referência em cinco polos regionais – Grande Vitória, Cachoeiro, Colatina, Linhares e Nova Venécia.
 
Menos mau que a romaria de veículos inadequados, transportando doentes de forma imprópria, dos mais distantes pontos do Estado em direção a Vitória, como acontece hoje. Quero ver é dar jeito nas centenas de cidadãos que continuarão vindo de regiões de outros Estados para se consultar aqui, porque é muito mais perto que levar para Belo Horizonte ou Salvador. Afinal, os problemas de saúde não conhecem fronteiras nacionais, divisas estaduais nem limites municipais.
 
O melhor mesmo é não precisar procurar assistência médica, a não ser preventivamente. Para isso existe a atenção básica à saúde, cujo abandono foi bombardeado por todos os participantes da audiência pública do Poder Judiciário.  Ou seja, a saúde pública do Espírito Santo passou por uma necropsia por especialistas, com o testemunho do povo e  acompanhamento jurídico.
 
Talvez só por isso já tenha feito sentido a proposta do Conselho Regional de Medicina de criar a Justiça Volante da Saúde para “disciplinar e melhorar” os serviços prestados na rede pública. Aproveitem e dêem uma passadinha nos hospitais dos planos de saúde e vejam o futuro da bitributação imposta ao cidadão, como já acontece com a educação e a segurança, direitos do cidadão e dever do Estado.  
 
José Caldas da Costa é jornalista, escritor, licenciado em Geografia. Contatos:

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