Sexta, 26 Abril 2024

A tampa do caixão social foi aberta

Jornais de todo o País têm repercutido as declarações do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que afirmou essa semana que preferia morrer a ficar encarcerado nas prisões brasileiras. Depois que a polêmica foi aberta, o ministro voltou a criticar as péssimas condições das unidades prisionais. Ele afirmou que “não adianta esconder o sol com a peneira”.



Os meios jurídicos reagiram mal à fala do ministro, uma vez que o Ministério da Justiça, em última análise, é o responsável pelo sistema prisional. Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal deram a entender que as declarações do ministro foram oportunistas, pois surgiram imediatamente após o Supremo definir as penas dos réus envolvidos no mensalão, já que muitos deles, inclusive o ex-ministro José Dirceu, terão que cumprir pena em regime fechado.



Na esteira da polêmica aberta pelo ministro, muitos termos recentemente utilizados para denunciar o histórico de violações nas unidades prisionais capixabas vieram à tona: prisões medievais, desrespeito aos direitos humanos, tortura, suplício, condições desumanas, estado de caos e outras expressões do gênero foram usadas para descrever as precárias condições das prisões brasileiras.



O termo prisão medieval, a propósito, lembrou as “masmorras de Hartung”, tão bem cunhada pelo jornalista Elio Gaspari, para definir o encontro infortúnio do ex-governador com as cortes internacionais, em março de 2010, que ficaram conhecendo os horrores que se passavam nas prisões capixabas, como torturas, suplícios e presos esquartejados.



É verdade que a realidade das prisões brasileiras, sobretudo as do Espírito Santo, não é novidade para ninguém. Talvez por isso, alguns críticos de plantão tenham classificado o desabafo de Cardozo de oportunista.



Polêmica à parte, o ministro disse algo inquestionável. No seu arrombo de sinceridade, ele defendeu que o primeiro passo para solucionar o problema é enfrentá-lo: “Não adianta esconder o sol com a peneira”, advertiu.



Nesse ponto, o ministro está coberto de razão. Foi justamente por tentar “esconder o sol com a peneira” que o Espírito Santo conseguiu submeter, por tanto tempo, a população carcerária a um sistemático processo de violações.



Como todos sabem, as entidades de defesa de direitos humanos capixabas não podiam sequer entrar nas prisões do Estado. Consequentemente, as violações não eram denunciadas e o Estado oficialmente “enterrava” seus presos vivos no caixão social chamado de “masmorras”.



Só recentemente, o carcereiro das “masmorras de Hartung”, o ex-secretário de Justiça Ângelo Roncalli – que também mantinha uma versão juvenil das masmorras – deixou o comando da pasta em função dos escândalos de corrupção envolvendo o sistema socioeducativo de internação de adolescentes.



Roncalli, enquanto pôde, fez de tudo para “esconder o sol com a peneira”. Mesmo após ser convocado para dar explicações aos representantes da Organização das Nações Unidas, Roncalli desdenhou das acusações e tentou mostrar que o governo Hartung estava fazendo um excelente trabalho na recuperação do sistema prisional.



Seu sucessor, André Garcia, que era subsecretário e depois secretário de Segurança Pública na gestão de Hartung, portanto, co-responsável pelo encarceramento de presos, já que muitos se encontravam até pouco tempo empilhados em DPJs, foi infeliz ao comentar as declarações do ministro Cardozo. Ou melhor, ele preferiu não dizer nada sobre a frase de Cardozo (preferia morrer a ficar...), mas insistiu na cultura herdada do governo anterior de negar a realidade. Entre outros devaneios, Garcia afirmou ao jornal A Tribunal (15/11/2012), que desconhecia as denúncias de tortura e superlotação de presídios reveladas à reportagem por ex-detentos.



André Garcia deveria seguir o conselho do ministro Cardozo e enfrentar o problema como ele é, ou seja, bem feio. Alguém precisa alertar ao secretário que a tampa do caixão social foi aberta e não há mais como esconder as mazelas do sistema.

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