Segunda, 29 Abril 2024

Aberta mais uma caixa-preta

Mal se refez da denúncia de fraudes nas obras (virtuais) do posto fiscal de R$ 25 milhões em Mimoso do Sul, o ex-governador Paulo Hartung terá agora que explicar como funcionava o complexo sistema de incentivos fiscais concedidos pelo governo do Estado a empresas do setor atacadista capixaba. 

 
Nessa segunda-feira (19), a Justiça suspendeu o repasse de verbas do governo do Estado ao Instituto Sincades e determinou ainda o depósito judicial em conta especial de toda e qualquer quantia do convênio firmado. A decisão é mais um duro golpe no ex-governador, uma vez que a desoneração tributária concedida às empresas para favorecer projetos culturais foi gestada e parida no seu governo. 
 
Para quem não se recorda, Hartung criou no início do seu governo o Compete-ES, contrato de competitividade para fortalecer empresas capixabas - o contrato com o Sincades saiu desse “guarda-chuva”. 
 
O sindicato criado em 2007, que hoje congrega cerca de 700 empresas, fundaria no ano seguinte o Instituto Sincades, que seria o braço cultural que legitimaria o esquema de isenções fiscais. 
 
Numa análise mais apressada, alguns levantariam a voz para argumentar: “Mas que mal há em conceder isenção fiscal para investir em algo tão nobre e elevado, que é a cultura”? De fato não haveria nada de errado se o então governador não atropelasse a legislação para desonerar as empresas, como se o Palácio Anchieta fosse a “Casa da Mãe Joana”. 
 
Hartung, para seguir com seu plano, ignorou a obrigatoriedade de submeter a proposta de desoneração fiscal à Assembleia Legislativa e ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). 
 
Hartung simplesmente, à revelia da lei, baixou os decretos necessários para conceder os incentivos fiscais. Os desdobramentos dessa patuscada jurídica Hartung começa a colher agora. Ao conceder os incentivos, as empresas beneficiadas deixaram de recolher ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que deveriam ser recolhidos por outros estados. 
 
Para simplificar o esquema e não cair no “tributarês”, com o pacote criado por Hartung, as empresas ficavam isentas de recolher 11 dos 12% de ICMS. Desse um por cento recolhido, um décimo era destinado ao fundo privado de investimento em cultura do Instituto Sincades. 
 
Um excelente negócio para as empresas e para Hartung, mas péssimo para os estados que foram “garfados” com a desoneração. Em outras palavras, Hartung concedeu isenção com a arrecadação que seria de direito de outros estados. 
 
Os especialistas em tributação advertem que qualquer incentivo, quando não é ilegal, já é de constitucionalidade duvidosa. O mirabolante pacote de incentivos criado por Hartung seria classificado pelos especialistas na categoria “aberração jurídica”. 
 
Prova disso, é que a Justiça já mandou suspender os pagamentos. E Hartung, desta vez, terá muita coisa para explicar. Além da lei de incentivo criada à revelia da Assembleia e do Confaz, o ex-governador terá que esclarecer por que o Sincades administrava o fundo do seu próprio Instituto. Estranho, não é?
 
Afinal, Hartung sabe muito bem, como homem inteligente que é, que a criação de fundos depende de lei específica. Não se pode vincular receita de imposto, deturpando a finalidade deste. Sem contar que é vedada a transferência, do público para o privado, da gestão de um fundo por tributo. Afinal, o dinheiro que está em jogo é verba pública. 
 
Além disso, o ex-governador também sabe que, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer despesa deve obedecer à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ao Plano Plurianual (PPA), à Lei Orçamentária Anual (LOA). E no final das contas, tudo isso tem de passar pelo crivo da Assembleia. Mas para criar o "esquema Sincades" ele não observou nada disso.
 
E viva a cultura!
 
Em tempo: pena que o governador Renato Casagrande não conseguiu concluir as obras do Cais das Artes, seria o espaço ideal para abrigar os projetos culturais financiados pelo Instituto Sincades com as leis de incentivo criadas por Hartung. Realmente uma pena. 

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