O governo do Estado anunciou nesta segunda-feira (20) que não negocia mais com o movimento enquanto as mulheres dos policiais não desbloquearem os acessos dos quartéis, batalhões e unidades da PM. Curiosamente, a decisão de pôr fim oficialmente às negociações só foi anunciada no décimo sétimo dia de paralisação da Polícia Militar. O documento que responde a mais uma proposta de acordo do movimento – encaminhada nesta segunda-feira ao Comitê Permanente de Negociações -, faz questão de registrar as “tentativas frustradas” de acordos propostos pelo governo e que teriam sido rejeitados pelas mulheres dos militares.
A estratégia foi mostrar que a intransigência sempre partiu do movimento, e que o governo fez todos os esforços para buscar uma saída negociado para o impasse.
Não é verdade. As reuniões de negociações, coordenadas pelo secretário de Direitos Humanos Júlio Pompeu, não passaram de uma encenação quase teatral. Desde o começo das tratativas, o governo nunca quis negociar com o movimento. As declarações do governador Paulo Hartung sempre estiveram na contramão de um possível acordo.
O governador Paulo Hartung (na ocasião, licenciado por motivos de saúde), em sua primeira manifestação pública sobre a crise na segurança do Espírito Santo, no quinto dia de paralisação da PM, deu o tom da narrativa que seria adotada dali para frente.
Hartung disse que os policiais estavam fazendo chantagem e que não negociaria com chantagistas. “É como sequestrar o direito do nosso povo e cobrar resgate. A ética não permite pagar”. Ele também reagiu duramente à iniciativa dos deputados estaduais de tentarem mediar um acordo com o movimento. Hartung se irritou porque não estava nos seus planos fazer qualquer acordo com as mulheres dos policiais.
Tanto que o governador foi sempre subindo o tom com o movimento. Na entrevista à jornalista Miriam Leitão, na Globo News, Hartung voltaria a dizer que não cederia a chantagistas e que a população do Espírito Santo estava sendo vítima de um ato covarde. Ele também passou a anunciar punições cada vez mais severas aos PMs aquartelados. “Não vai sobrar pedra sobre pedra”, avisou.
Além das ameaças de punição, Hartung sempre se mostrou irredutível em conceder reajuste aos PMs. Já se sabia desde o início que ele não abriria o cofre para os policiais, temendo deflagrar um efeito cascata em relação às demandas represadas de outras categorias do funcionalismo público. Foi enfático: “Não pode pagar resgate nem pelo aspecto ético nem pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Ao longo da crise, o governo foi esticando a corda, passando a adotar medidas cada vez mais duras, algumas desleais, contra os policiais. Além de aumentar a cada três dias a lista de policiais indiciados por crime de motim e revolta, a tropa de choque do governo passou a acusar os policiais de envolvimento em ações milicianas para exterminar criminosos, incêndios a ônibus e em supostas ameaças de morte contra o secretário de Segurança André Garcia. Esse discurso foi construído com o intuito de mostrar à sociedade quem são os vilões da crise. Até o cruel ataque ao frei Pedro Engel, de 80 anos, foi jogado na conta dos policiais “rebelados”.
No processo de assepsia da Corporação, que faz parte das medidas intimidatórias para desmobilizar o movimento, Hartung prometeu extinguir dois grupamentos especiais da PM: a Rotam e o Batalhão de Missões Especiais.
A narrativa do governo nunca deu margem para que fosse aberta nenhuma tratativa. As negociações não passaram de uma farsa mal-ajambrada para simular que havia interesse do governo em dialogar. Dezessete dias depois do início da crise falhou a estratégia do governo de implodir o movimento por meio de ameaças, assim como a tentativa de forjar um acordo fajuto. Júlio Pompeu e cia. podem abandonar os personagens e descer do palco.