Domingo, 28 Abril 2024

Acordes dissonantes

 

Laura é professora de piano no Brasil, não é imigrante mas vem muito a Miami visitar a irmã e dos sobrinhos, que moram em Pompano, o reduto dos brasileiros nessas paragens, também chamado Pequeno Brasil. Apesar de suas longas visitas, Laura não fala inglês. Nem precisa, pois nunca se afasta do reduto familiar, onde todos se agarram ao  português como último elo com a pátria amada.  
 
 
Miklos trabalha nos correios, é imigrante húngaro naturalizado, e fala muito bem o inglês. Talvez de tanto deixar cartas com selos verde-amarelos num certo endereço em Pompano,  sob o inclemente sol de Miami, Miklos acabou se rendendo aos suaves acordes do piano de Laura. Que, por sua vez, caiu de amores pelo uniforme do carteiro, de bermudas, revelando pernas firmes e queimadas de sol.
 
 
Difícil imaginar um namoro mais difícil, onde os envolvidos não falam a mesma língua, e não comungam a mesma cultura, os mesmos hábitos e crenças. Mesmo vindo de partes opostas do planeta terra,  a coisa foi em frente, e auxiliados por sorrisos e sinais, entremeados com os suaves acordes do piano de Laura, eles se casaram.
 
 
Dirão os distraídos, que dificuldade pode ter Laura em aprender inglês? Nenhuma, naturalmente, mas essa pequena novela romântica se desenvolveu em apenas dois meses, e não deu tempo para Laura se iniciar no idioma de Shakespeare. Nem Miklos teve tempo ou vontade de aprender o idioma de Camões. Quanto a Laura aprender húngaro, nem pensar.
 
 
Todos os tête-à-tête ocorreram com o dicionário inglês-português na mão. De qualquer forma, as chances desse casamento dar certo estão intrinsicamente ligadas à dificuldade do casal se comunicar. Quer dizer, quanto menos falarem, daqui pra frente, melhor para eles. Se chegaram ao estágio atual sem o diálogo que chamamos de franco e aberto, não vão precisar dele daqui pra frente.
 
 
Na família temos um caso semelhante, bem mais antigo. Gertrud imigrou da Alemanha para o Brasil, onde conheceu Salim, imigrante libanês. Nenhum dos dois  falava a língua um do outro, nem o português. Essa torre de Babel não os impediu de se apaixonarem, casarem, terem muitos filhos e viverem felizes até que a morte se intrometeu...
 
 
Dirão os incrédulos, eram tempos em que os casamentos, feitos de matéria prima mais resistente, duravam para sempre.  Quando Salim e Gertrud chegaram às bodas de ouro, Gertrud  revelou o segredo dessa longevidade amorosa: “Quando Salim faz algo que me aborrece, eu reclamo em alemão; quando eu faço algo que o aborre, ele reclama em árabe. Quando as coisas estão bem, falamos português”. Fica aí a receita para Laura e Miklos... se ela aprender inglês.

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