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Água fresca e banho quente 

Uma questão de higiene ou um ritual de purificação?  

Houve um tempo em que faltava água na cidade de Vitória, como houve também o tempo em que faltava luz. Não apenas em Vitória, mas era onde eu morava nesses tempos antanhos. A prefeitura determinava os horários para os moradores encherem baldes e gamelas, um horror! Já longe vai esse tempo, dirão os mais jovens, mas em Recife dois milhões de pessoas ficaram sem água recentemente – para melhoramentos na rede de distribuição, e não por escassez chuvosa.

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Em minha longa vida morei em muitos lugares, e um deles foi Recife. Minha mãe reclamava, “Vocês parecem ciganos…” E se na época faltava água em todo lugar, o Recife sofreu mais – a escassez do precioso líquido exigia medidas drásticas, e os minutos permitidos para o banho eram rigidamente controlados. Mas por algum erro de cálculo ou defeito de fabricação, no prédio em que eu morava não faltou água. Imagina: a cidade inteira reclamando da seca, e nós numa boa, as torneiras jorrando feito a Cachoeira da Fumaça..

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Talvez algum político importante morasse no andar de baixo, ou na cobertura, mas não garanto e nunca foi confirmado. O evento deveria ser secreto, mas quem guarda segredo em assunto tão delicado? Foi quando começaram a me visitar… Jovens das vizinhanças, a princípio as amigas ou colegas de escola das minhas filhas. O número foi aumentando, e vinham garotas de outras ruas, depois de outros bairros… Será que eu poderia… Ou, A Senhora se importa…

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Como dizer não? Jovens que conhecia ou que nunca vi antes, todas com um detalhe em comum – longos cabelos!  Nada que causasse espanto, pois as jovens de antes como as de hoje adotavam a moda dos cabelos longos. Fartos e lindos, lisos ou cacheados, louros, pretos, castanhos… como mantê-los limpos e sedosos se a água do chuveiro é pingada? Cinco minutos para o banho de cada um, não importa se rico ou pobre, careca ou cabeludo. O gordo gasta mais tempo no banho que o magro, o alto mais que o anão.

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O banho é uma exigência moderna, habitualmente um ato fácil e agradável quando a água é farta. Nos tempos em que eu viajava pelo interior do estado, tomei muito banho ‘de cavalo”, por falta de chuveiro, ou o banho do meio-dia, quando o sol esquentava a caixa-d’água. Uma questão de higiene ou um ritual de purificação? Na nobre Europa o banho era um luxo, e nem mesmo a realeza tinha o privilégio da água quente jorrando de um chuveiro, coisa que a maioria dos mortais hoje em dia pode desfrutar.

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Por isso inventaram os leques – ou ninguém aguentaria o mau-cheiro coletivo. Primeiro criaram aqueles leques grandões, com escravos abanando para refrescar seus amos. Segundo a mitologia grega, foi inventado por Eros, o Deus do Amor, para refrescar sua amada Psique. Já o leque abre-fecha, inspirado nas asas dos morcegos, foi inventado na China e levado para a Europa pelos navegadores portugueses.

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Antes que as chuvas caíssem e a vida se normalizasse voltamos para Vitória. Ao todo, morei em onze cidades e entre cada mudança voltávamos para Vitória – o porto seguro que sempre nos acolheu de braços abertos. Se contar que morei também em Cariacica, são doze cidades – ou mais, caso me falhe a memória. Quanto à atual falta d’água no Recife, fico pensando nas ironias do destino: como fica o bairro de Afogados quando não tem água?

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