Domingo, 05 Mai 2024

As águas de março

 

 Agora sim. Estão chegando as águas de março. Em terras capixabas, Elisa Lucinda encerrou o carnaval escrevendo uma bela crônica em A Gazeta (13.02.2013). Ela exorta os capixabas a continuarem no que ela chama de ação afirmativa capixabista , iniciada no ano passado com o refrão inspirado no verso ser capixaba é chique, em homenagem a ela.
 
Quem conviveu mais com Elisa Lucinda quando ela ainda morava na sua terra, nota que ela era chique desde os tempos em que frequentava uma das poucas boutiques dos jovens do final dos anos 70 e dos anos 80, a "Tristeza de Adão", na galeria do Edifício Antares, na Rua 7, centro de Vitória. Agora, como tantos outros capixabas que se tornaram cidadãos do Brasil e do mundo, Elisa torce para que os capixabas se livrem do complexo de vira-latas e da prática da famosa "Teoria dos Caranguejos": na panela dos caranguejos todos puxam todos para baixo...
 
Elisa se junta aos atuais governantes do estado e , segundo ela, "em especial aos secretários de cultura, nessa cruzada de botar nossa cidade na reta, nos incluir na rota do entretenimento brasileiro". Ela se refere ao carnaval capixaba e à ideia de que agora "o carnaval começa aqui". Mas enfatiza a necessidade de oferecer teatros, salas de espetáculos, música na noite, lugares para os cantores cantarem: onde os jovens "possam ampliar suas escolhas e dar maior estrada aos seus sonhos".... 
 
Bela cruzada. Belo tema para as águas de março e depois. Tomara que emplaque. Tomara que se alastre pelas redes sociais. Tomara que continue com apoio dos atuais governantes. Pela via da cultura, dos esportes e do lazer. Mas também pela via da política. Sim, pela via da política.
 
Refiro-me não apenas às políticas públicas de cultura, esportes, lazer, educação ("cultura cívica"), turismo e comunicação, mas sobretudo, no caso, à ação afirmativa em defesa dos interesses do Espírito Santo no contexto da federação. Só que uma ação afirmativa de inserção regional no contexto nacional significa, também, deixar de lado o pieguismo, provincianismo e chororô dos anos 60 do século passado. Aquele da bandeira do "Nordeste sem SUDENE" que ainda está impregnado na cultura de alguns veículos de comunicação regionais, de alguns colunistas e de parte das elites políticas e empresariais do estado. 
 
Isto já era. Os dados mostram que o Espírito Santo está entre os oito ou dez estados mais desenvolvidos do Brasil. É a realidade. Sem querer comparar alhos com bugalhos, vale, como figura de retórica, dizer que assim como o mundo vê a afirmação dos BRIC's, da África do Sul, da Indonésia e da Turquia, na geopolítica mundial, aqui se assiste a afirmação do Ceará, do Espírito Santo, de Santa Catarina e de Pernambuco, na "geopolítica nacional". 
 
É assim que o Brasil e Brasília vêm o Espírito Santo. Por isto, a nossa diplomacia federativa precisa mudar de tom, de discurso e de conteúdo, o que já se percebe que o governador Renato Casagrande já captou e incorporou na sua ação para negociação da pesada pauta federativa. 
 
Há poucos dias, Fabio Giambiagi foi cirúrgico: "a ideia de que Brasília está submetendo os Estados e Municípios a uma asfixia insuportável é tão falsa quanto uma nota de R$3. A grita visa apenas tirar mais dinheiro do governo(federal). Este faria bem em resistir, porque a grita é indevida. Nosso bolso agradece" (O Globo,11.02.2013).
 
Alguns dados relevantes lembrados pelo próprio Giambiagi : (1) as transferências do Governo Federal para os Estados e Municípios passaram de 3% do PIB na média de 1996/2000 para 4,1% do PIB em 2012; (2) a receita do ICMS foi de 6.5% do PIB em média de 1996/2000 para 7,4% do PIB atualmente ; e (3) a Uni?o ficava com 52.2% das receitas disponíveis para as três esferas de governo em 1996/2000 e passou a ficar com 47.8% em 2009.
 
É com estes dados de realidade como pano de fundo que se travam as negociações (pesadas ) em curso na pauta federativa. Portanto, não é nem inteligente nem eficaz os representantes do Espírito Santo jogarem o jogo do "Nordeste sem SUDENE" e do "primo pobre". Ação afirmativa. Este é o nome do jogo. Relações cruzadas, altivez, flexibilidade... Os temas ( royalties, FPE e ICMS, principalmente) serão tratados em separado. O ideal seria discutir tudo junto e misturado. Mas este não será o caso. 
 
Portanto, há que se ter estratégias específicas de negociação. Mas, é óbvio, buscando áreas de barganhas e convergências com outros estados. Na questão dos royalties, por exemplo, o Espírito Santo é visto como "primo rico". Não pode radicalizar como está fazendo o Rio de Janeiro. Se não, vira uma guerra de todos contra todos. Tem que defender os contratos , com o Rio de Janeiro, mas aliar-se à Pernambuco para discutir compensações de curto prazo para os estados não produtores. E assim por diante. No caso do FPE, o Espírito Santo também é visto como "primo rico" . O que fazer? Mudar o critério de repartição? Mas aliar-se com quem? E no caso do ICMS? Simplesmente alongar o tempo de implementação gradual? Mas outra vez: aliar-se com quem?
 
As negociações estão em curso. O governador Renato Casagrande precisa ser o maestro das articulações. A Bancada Federal do Espírito Santo precisa agir unida e articulada. O "PIB capixaba" precisa ser mobilizado pelo governador para entrar em campo e ajudar nas articulações das chamadas relações cruzadas (para utilizar o jargão dos diplomatas). Isto é ação afirmativa. Mobilizar a mídia nacional. Mobilizar as Centrais Sindicais. Fazer alianças com outras Bancadas. E assim por diante.
 
Tempos interessantes e historicamente cruciais. Mas se baixar o complexo de vira-latas, a vaca vai pro brejo....

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