Sexta, 19 Abril 2024

As invasoras

 

Embora há muito tempo as letras K Y W tenham conquistado a cidadania no nosso alfabeto, elas continuam discriminadas, sendo ainda tratadas como intrusas na escrita popular. Só as vemos nos nomes próprios, em algum anglicanismo antigo, ou americanismo moderno, graças à invasão dos www. No entanto, bem sabemos, algumas são perfeitas para as mensagens de texto. Ka, ka, ka.
 
Já que tiveram o trabalho de inseri-las no contexto da escrita oficial, por que não promover o uso e incentivar o consumo? Se foram legalmente aceitas, vamos acabar com a discriminação. Com o W liderando meu nome, vejo-me na obrigação de protestar, porque sempre me considerei banida do abecedário nacional, quase uma fora da lei, ou melhor, da letra. Ou o nome está errado ou é metido a besta.
 
Meu segundo nome, Eduvirges, também deveria ser com W, mas o escrivão errou e pôs um V. Pelo menos foi o que ele disse. Meu pai reclamou e pediu para mudar. Infelizmente não dá , uma vez com V, com V ficará. Era um poeta frustrado. Meu pai ficou chateado porque o nome é uma homenagem à minha avó materna, grafado com W.
 
Hoje, ponderando o incidente, deduzo que o escrivão fez de propósito. Coitada dessa criança, uma letra proscrita duas vezes no nome é uma pesada carga a arrastar vida a fora. Mas não estou sozinha, tem muito nome por aí que não saiu como os pais queriam, mas ao gosto ou de acordo com o humor do escrivão que os registrou.
 
Casos há, porém, em que a culpa é da discórdia doméstica. É o caso de Dora, assim chamada no lar, na rua, no trabalho. Mas no registro de nascimento ela se chama Sylvia. Nesses tempos em que a comunicação cada vez mais se faz pela Internet, essa dualidade é problemática. As pessoas mandam emails para Dora, e o sistema avisa que essa conta não existe. Como não, se ela trabalha aqui? O sistema nunca se explica.
 
Dora conta que o pai registrou um nome que a mãe não queria. Mas desconfio que o pivô da discrepância seja esse Y. A mãe era advogada, e talvez não quisesse uma letra ilegal no nome da filha. Essas situações deixaram de existir, porque a última reforma ortográfica as inseriu definitivamente no contexto. Devemos aceitá-las sem preconceitos, usufruindo de seus fartos benefícios.
 
Aky, por exemplo. Mais fácil de escrever, menos uma batida no teclado, menos espaço no texto, e todo mundo entendeu. Rico, quem tem mais de um milhão, e ryco, os que chegaram ao bi. Elas podem ser usadas nas palavras escritas iguais, como cáqui para o tecido e kaky para a fruta. Koro, o conjunto de cantores, e coro, verbo corar; pya na cozinha e pia, verbo piar; caso do verbo casar, e kaso, a narrativa dos fatos que levaram ao casamento.
 
A adaptação às novas mudanças pode dar um pouco de trabalho, mas a vida ficaria mais fácil e o texto mais claro: Vale, do verbo valer, ou wale, o papelzinho que reconhece um crédito. Ou um débito, dependendo de quem o assinou. Waleu?

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