Segunda, 29 Abril 2024

Assim não Vale

 

Espionagem, grampos a jornalistas e funcionários, infiltração em movimentos sociais, coações...nada disso me surpreende, tratando-se da Vale, empresa que desde sua instalação no Espírito Santo sempre se utilizou de métodos “baixos” para concretizar seus ambiciosos planos. Não à toa, há extensos dossiês e denúncias formalizados contra ela mundo afora. O processo de implantação da Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU) em Anchieta, sul do Estado, que voltou à tona agora, é apenas um dos inúmeros casos. E, mais uma vez, a Vale mente.
 
O escândalo que explodiu após denúncias do ex-gerente André Almeida, apontou que a empresa fez aliciamentos dentro da Câmara de Anchieta, para facilitar o andamento do projeto. Esse tipo de “serviço”, relevado pela coluna Radar, da Veja, era de responsabilidade da Diretoria de Segurança da Vale, por onda passavam também as outras atividades suspeitas que tinham como objetivo agilizar a morosidade dos órgãos públicos, como divulgou em seguida o jornal A Gazeta.
 
Para se defender da bomba lançada em seu colo, que ganhou ampla repercussão, a Vale respondeu o seguinte, em relação à CSU: “a condução do processo ocorreu de forma legal e transparente”. Desaforo, pois os fatos mostraram exatamente o contrário: no histórico da tentativa de implantar uma siderúrgica em Ubu, constam ameaças, favorecimentos, intimidações e irregularidades em licenciamentos ambientais. Isso só para resumir. 
 
Até mesmo porque a missão da Vale não era a das mais fáceis, embora ela se sustente em um sistema poderoso de favorecimentos disponibilizados pelo poder público. A empresa pretendia implantar sua planta industrial em comunidades tradicionais, a Chapada do A e Monteiro, de origem indígena Tupinikim, e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi acionada. 
 
Além disso, o projeto era tão absurdo para o sul do Estado, onde os moradores já sofrem poucas e boas com a poluição da Samarco, que encontrou forte resistência de entidades ambientalistas do município. Durante o desenrolar do processo, denúncias e mais denúncias foram protocoladas no Ministério Público do Estado (MPES), relatando os absurdos. 
 
Por conta desses incômodos obstáculos, tão logo anunciou a intenção de construir a CSU, a Vale passou a se utilizar de instrumentos para cooptar lideranças da região, fazendo terrorismo espalhando mentiras e com pressões para criar clima de desespero entre os moradores. Relatos apontavam também para invasão de privacidade e até a interferência em problemas familiares para fomentar a venda das terras para a empresa. 
 
Passada essa fase inicial e já de posse da Licença Prévia (LP), a Vale arrumou uma nova maneira de seduzir representantes da sociedade civil e difundir seu falso discurso de progresso e geração de emprego. Entraram em campo os cursinhos de formação de lideranças, em parceria com o mesmo MPES, que deveria investigar a empresa - e não investigou. 
 
A mesma omissão era registrada entre os órgãos públicos, estadual e local, e a classe política de uma maneira geral. O ex-prefeito por dois mandatos Edival Petri (PSDB), os vereadores de Anchieta, parlamentares, todos estenderam o tapete vermelho para a Vale. Repetindo o enredo da implantação, no período militar, da empresa na Ponta de Tubarão. E lá vai a Vale construir sua oitava usina, no mesmo esquema de ditar as regras no Estado, custe o que custar. 
 
No centro das articulações que envolvem não só a Vale, mas as transnacionais aqui instaladas, não posso deixar de registrar o papel da conhecida ES em Ação, formada por empresários, empresas de consultoria, institutos de pesquisa e veículos da mídia corporativa, e que atuou em conjunto com o governo Paulo Hartung (PMDB) para deixar o caminho livre aos chamados “grandes projetos”. A entidade, aliás, permanece vivíssima.
 
Embora os argumentos ambientais e sociais fossem suficientes para a Vale não construir a CSU em Anchieta - índices de poluição do ar no limite máximo permitido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama); esgotamento da capacidade hídrica; inchaço populacional; aumento da criminalidade, e falta de infraestrutura básica - , quem parou os planos da empresa foi ela própria, devido às dificuldades de conseguir um sócio para o empreendimento. O anúncio oficial de que o projeto está na geladeira ocorreu no ano passado e virou motivo de festa na região. Sabe-se lá até quando.
 
O bom do escândalo da espionagem é que agora a Vale será, de fato, investigada. O Ministério Público Federal (MPF) já abriu procedimento sigiloso e outro processo corre na Justiça do Trabalho do Estado. A empresa terá que prestar contas, pois ai o buraco é mais embaixo. 
 
Melhor ainda será conhecer a lista dos grampeados que ousaram atrapalhar os planos da empresa, não interessava se políticos, jornalistas, ambientalistas, sindicalistas ou presidentes de associações de moradores. 
 
Se procurar os personagens capixabas...




Manaira Medeiros é especialista em Educação e Gestão Ambiental

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