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Atenção, hipócritas

Há países em que a propina é legalizada. Foi o que constatou um turista brasileiro no Uruguai, no ano passado. Num bar de Montevideo, frequentado por apreciadores de tango, a nota fiscal de consumo trazia, explícitos, o valor total do consumo, o valor dos impostos e, finalmente,um item equivalente a 10%: a “propina”, assim mesmo.
 
Sem querer nem pedir, como simples turista, o brasileiro descobriu que os uruguaios não têm vergonha de admitir por escrito que tratam a gorjeta por propina, item opcional que nós brasileiros denominados taxa de serviço, numa óbvia escamoteação semântica. Vem daí a convicção de que talvez o melhor meio de acabar com a propina é legalizá-la.
 
O exemplo uruguaio é oportuno neste momento em o ex-presidente da Transpetro Sergio Machado decidiu botar a boca no trombone sobre tráfico de propinas na subsidiária de transportes da Petrobras. Até agora, a Operação Lava Jato não fora além do ano 2003, em sua óbvia tentativa de incriminar o PT e seus aliados. Machado derrubou a barreira, incriminou o PMDB, o PSDB e outros partidos. E chegou à década de 1990.
 
Se ficou algum partido de fora, foi de bobeira. Pelo sistema atual, todos os partidos pegam dinheiro de quem se disponha a ajudá-los na certeza de que, precisando, terá a retribuição em forma de contratos com estatais ou ministérios. Ou mediante emendas legais. Como se recorda, o conceito franciscano – “É dando que se recebe” – foi avacalhado pelos políticos brasileiros, que se especializaram na arte de acomodar as coisas com o famoso jeitinho ou, não havendo outro jeito, com a crença em que “no rodar da carroça, as abóboras se acomodam”. Foi com essa esperança que o ex-governador pernambucano Eduardo Campos embarcou na aventura político-empresarial que lhe custou a vida em 2014.  
 
Pelo depoimento de Machado e de outros, fica claro que a política é um jogo de cartas. Um jogo a dinheiro pesado. Se quiser sobreviver, o político não envolvido nas jogadas tem que fazer vista grossa ou se fingir de morto. Mas quem consegue se eleger sem pagar o custo das campanhas, os marqueteiros, os cabos eleitorais, os impressos, as bandeiras, os empunhadores de bandeirinhas e outros “prestadores de serviços”?
 
O PT fez o jogo, mas até hoje só foram condenados alguns dos seus operadores, entre eles José Dirceu, o cérebro do partido. Ficou de fora Lula, convenientemente blindado pelos companheiros. Se ele for pego, cai a casa inteira. É de supor que Dilma, a sucessora, saiba de algumas coisas que foram tratadas e feitas aqui e ali, mas admitir ou confessar é o que ela não vai fazer, coisa que já se sabe desde a época da ditadura militar. No mundo da política e no mundo dos negócios há segredos que não se revelam. No entanto, quando esses dois mundos se cruzam, o silêncio tem um preço.
 
Quem não sabe de alguma coisa comprometedora para o amigo, o parente ou o ocupante de um cargo público? Em 1978, coube a um colega participar de uma concorrência para a edição de um livro-relatório do governo paulista. Alegando que “todo mundo faz” e “se não for eu, será outra pessoa”, o assessor de imprensa da secretaria encarregada do assunto escalou-se como beneficiário da propina e manobrou a licitação para que uns patrícios ganhassem a encomenda. Não deu outra. Conforme o combinado, ele levou 15% do contrato. “É a regra do jogo. Se a gente não pagasse, não ganharia o contrato”, justificou o diretor do birô prestador de serviço.
 
Em abril de 1982, houve no Rio uma reunião para decidir sobre a campanha de publicidade em torno da inauguração de um importante terminal portuário construído pela Portobrás no litoral carioca. Na reunião, estariam assessores da Portobrás, do Ministério dos Transportes, das Docas do Rio e do consórcio construtor. Estranho no ninho, o representante da iniciativa privada causou certo constrangimento ao propor um plano de mídia técnico, com um programa de anúncios em grandes jornais e revistas de circulação nacional. A reunião acabou sem decisão, só tomada posteriormente, sem a presença do intruso enviado de São Paulo, que se limitou a avisar o diretor do consórcio construtor: “Estão armando alguma coisa estranha com a verba”. Como havia sido adrede combinado, o consórcio construtor pagou a campanha publicitária, cuja verba foi distribuída a apenas dois veículos: a revista O Cruzeiro, do Rio, que agonizava, operando no submundo dos órgãos de informação e repressão política; e o jornal O Estado de Minas, que se engajaria na campanha eleitoral do ministro dos Transportes, Eliseu Resende, candidato a governador naquele ano (foi derrotado por Tancredo Neves).  
 
Nos últimos anos da ditadura militar, era assim que se faziam negócios no mundo das estatais: sem propina, não se ganhava encomenda de serviço. Numa das principais indústrias de base de São Paulo, o diretor da divisão de equipamentos pesados tinha carta branca para fechar negócios na Cia Vale do Rio Doce. Ganhava a concorrência apresentando o preço mais baixo, conforme o combinado com gente de dentro da estatal. Algum tempo depois de iniciada a obra, propunha-se um primeiro aditivo para corrigir a inflação, depois outro para adequação do equipamento e assim por diante, até a entrega final com meses e até anos de atraso, por um custo 300% mais alto do que o original. Os acertos eram facilitados por conchavos com amigos de família, ex-colegas de universidade e militares da reserva que ocupavam cargos estratégicos.
 
No final do governo do general João Baptista Figueiredo, havia 9 mil militares de altas patentes que ocupavam cargos e/ou exerciam funções em ministérios, secretarias, autarquias e empresas estatais. São tetas que continuam dando leite, só que para uma maioria absoluta de civis elevados à burocracia pública pelo voto popular ou nem tanto. Não é novidade para nenhum brasileiro que os órgãos públicos estão viciados na prática do empreguismo, do nepotismo e do propinismo.  
Tudo continua como antes, exceto quanto à lavagem de roupa suja mediante redução de pena aos implicados. Ou, seja, os delatores entregam o serviço desde que levem uma vantagem do tipo cumprir prisão domiciliar, o que equivale a uma aposentadoria especial.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
Até agora, em sua caça de corruptos, a Operação Lava Jato não pegou nenhum helicóptero

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