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Atentado à democracia

Os dois primeiros mandatos de Paulo Hartung o tornaram conhecido nos bastidores da política capixaba como imperador. A expressão refletia seu estilo centralizador e autoritário de fazer política. Em nome da unanimidade que salvaria o Espírito Santo do crime organizado, Hartung criou um arranjo político-institucional que lhe deu carta branca para governar a seu bel-prazer. 
Qualquer um que questionasse as decisões do governador era considerado inimigo do Espírito Santo. Uma célula do mal que estaria a serviço da rede criminosa que só fez retroceder o Estado. 
O jornal Século Diário, que sempre teve uma posição crítica ao governo, foi incluído nessa trama hollywoodiana criada por Hartung chamada “crime organizado”. O exercício da liberdade de expressão, peculiar ao jornalismo, foi interpretado como um atentado ao “Espírito Santo do bem”. Não demorou para o jornal Século Diário passar a ser chamado pelos aliados mais próximos do governador de “braço publicitário do crime organizado”. Depois da difamação moral, que não foi suficiente para calar o jornal, veio a blitz financeira e judicial, que é operada até hoje.
Mas o propósito desse artigo não é tratar da asfixia a Século Diário, mas alertar que o terceiro mandato do governador Paulo Hartung deve agregar ao “título” de imperador o adjetivo déspota. Imperador déspota seria um termo mais apropriado ao perfil tirano do governador.
Se alguém ainda tinha dúvida do perfil autoritário do governador, as coisas ficaram cristalinas no recente episódio de criação do blocão. A ideia de que 11 deputados estavam dispostos a criar um núcleo independente para analisar de maneira mais criteriosa os projetos que chegam à Casa, especialmente os remetidos pelo Palácio Anchieta, deixou o governador em polvorosa. 
O bloco, embora regimental, foi tratado pelo governador como uma manobra impregnada de vilania, uma afronta ardilosa. Hartung se queixou que os deputados agiram pelas suas costas, dando conotação golpista a uma manobra legítima. Os mentores da proposta, os deputados Enivaldo dos Anjos (PSD) e Theodorico Ferraço (DEM), foram identificados como inimigos do Espírito Santo, pois estavam eivados da missão de “rachar” a Assembleia e “dificultar a governabilidade”, justamente num momento tão delicado para o Espírito Santo. 
Antes mesmo de rebentar, o blocão foi abortado. Chama a atenção que a manobra do governo esteve longe de ser limpa, feita dentro de preceitos éticos da política que se espera num ambiente dito democrático. Muito ao contrário. Quando se viu acuado por uma jogada política legítima — porque o blocão foi sim uma manobra limpa —, o governador revelou seu instinto mais perverso e mostrou sua verdadeira face de imperador. 
Para desmontar o grupo, Hartung recorreu à política do terror. Encostou um a um os deputados “rebeldes” na parede e fez ameaças sob medida a cada um deles. O blocão estava desfeito como num passe de mágica.
Os admiradores mais incondicionais se apressaram para elogiar a “habilidade política” do governador, aclamando-o gênio na arte de fazer política. 
Ora, não há nada de genial na manobra do governador. O que se viu foi uma liderança anacrônica, fazendo política na sua forma mais obsoleta, com a agravante de recorrer aos recursos mais sórdidos, leia-se, chantagem, ameaça e apressão, ou seja, terror mesmo. 
O desfecho de mais esse vergonhoso episódio envolvendo a Assembleia se deu nessa quarta-feira (24), quando o governo, na surdina, como gostam de agir os velhacos, conseguiu passar a emenda que põe um ponto final a qualquer iniciativa de formar bloco, blocão ou bloquinho.
A emenda é mais uma confirmação da política truculenta que vem sendo adotada por esse governo. A relação que o governo vem impondo ao Legislativo remete ao Estado de Exceção, que se contrapõe ao Estado de Direito. Exagero, ou o que estamos vendo hoje na Assembleia não é uma grave ameaça à democracia?

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