Sexta, 03 Mai 2024

Beckett, Godot e o absurdo

 

Samuel Beckett, dramaturgo e escritor irlandês, foi uma das maiores influências para o teatro do século XX, chegando a receber o prêmio Nobel de Literatura de 1969. Beckett foi um dos principais autores do denominado Teatro do Absurdo, termo criado pelo crítico húngaro Martin Esslin ao publicar o livro Teatro do Absurdo para definir a produção teatral de autores como o próprio Samuel Beckett, além de Eugène Ionesco, Jean Genet e Arthur Adamov, sendo incluído neste time, posteriormente, Harold Pinter, onde podem entrar nomes, também, como Antonin Artaud e Fernando Arrabal.

 
 
A produção beckettiana foi uma das principais expressões do Teatro do Absurdo, onde se pode encontrar uma intensa crítica à modernidade, numa estética minimalista presente em sua peça mais famosa Esperando Godot, minimalismo que irá se intensificar em sua obra posterior. 
 


Segundo o crítico Esslin, o inaugurador desta tendência que ele denomina Teatro do Absurdo, foi Alfred Jarry, dramaturgo francês criador da patafísica, o qual escreveu a peça Ubu Rei, de 1896. Podemos dizer que o Teatro do Absurdo reúne características como: uma mistura de mimodramas, commedia dell`arte, espetáculos de Vaudeville e Music Hall, uma comédia nonsense influenciada pelo dadaísmo e surrealismo, imagens horríveis e trágicas, situações sem solução, ações repetitivas, jogo de palavras e diálogos repletos de clichês. E o reflexo principal deste tipo de teatro: a incomunicabilidade do homem moderno, onde há uma ruptura radical com a dramaturgia realista tradicional.
 


Beckett recebeu sua influência mais forte do escritor, também irlandês, James Joyce, o qual Beckett conheceu em Paris. Sua peça Esperando Godot, sua obra mais importante, estreou em Paris em 1953, causando estranheza, sobretudo na crítica, mas sendo aclamada com o passar do tempo e suas inúmeras montagens, incluindo aí a sua estreia no Brasil, encenada pelo EAD (Escola de Arte Dramática) e a encenação com Cacilda Becker em 1969.
 
 
A peça Esperando Godot é de uma simplicidade aparente. Dois atos em dois dias, esta é sua estrutura, o cenário sendo constituído por uma árvore e nada mais, dois personagens principais em que giram o diálogo: Vladimir e Estragon. Além dos personagens Pozzo e Lucky, e um menino que vem trazer notícias de Godot em duas pequenas aparições nos dois atos da peça.
 
 
Digo que a peça tem uma simplicidade aparente, pois nela reside um motivo complexo, o personagem que na verdade não é personagem, pois não aparece na peça, o famigerado Godot, que dá título à peça, o qual é esperado angustiosamente pelos clowns vagabundos Vladimir e Estragon. Vladimir com sua consciência espiritual de poeta arruinado, e Estragon como o contraponto terreno de Vladimir, gravitando ao redor de uma pedra, sempre caindo no sono e com calos nos pés. A entrada de Estragon no início da peça é emblemática, com sua primeira fala, depois de tentar, inutilmente, tirar uma das botas: "Nada a fazer."
 
Numa espera sem sentido por Godot, Vladimir e Estragon tentam preencher o vazio da espera com diálogos sem sentido, reflexo da falta de sentido da própria espera por Godot, culminando em especulações inúteis até sobre suicídio, solução possível para o fim da espera. A ausência de enredo vem daí: não há uma ação no sentido convencional, o teatro de enredo e desenlace são rompidos nesta peca de Beckett, não há conclusão, não há sobretudo solução para a espera de Vladimir e Estragon. O desenlace não acontece, não há catarse aristotélica, a tragédia de Vladimir e Estragon, sua ausência de sentido, são a sua comicidade, comédia dos gestos e das marcações da peça, comicidade da alienação dos personagens, a qual só é quebrada por dois momentos, com a intervenção dos personagens Pozzo e Lucky, os quais são uma alegoria da dicotomia Senhor-Escravo que vemos em Fenomenologia do Espírito de Hegel, alegoria que estará presente em toda a peça, com alusões bíblicas.



 
Pozzo vem com a imagem aristocrática numa relação arrogante com o mudo e submisso Lucky, que só se manifesta uma vez para fazer um discurso nonsense em que reúne toda a História humana num golpe de loucura, Lucky age automaticamente pelas ordens de Pozzo, um precisa do outro, Vladimir e Estragon tem nos dois um passatempo, que logo é uma fuga para a falta de sentido, o movimento da peça é feito pela espera de Vladimir e Estragon, e suas ações amalucadas em torno de Pozzo e Lucky são apenas um desvio da angústia Godot.
 
Beckett realiza em Esperando Godot uma divertida momice para disfarçar a angústia e o vazio da existência dos personagens da peça. O cômico dá o ar superficial da tragédia humana da falta de sentido, o absurdo da existência tem na fuga da comédia uma boa cena para o beco sem saida de Godot, personagem ou presença do vazio que é a vida de Vladimir e Estragon, onde nada acontece e tudo termina sem final. A peça acaba com os dois saindo para o nada, não tem o que fazer, e Godot não vem. Beckett torna a peça o reflexo das diversas situações absurdas da vida, e consuma tal absurdo na ideia de indefinição, indecisão, e sobretudo de vazio existencial. Nada a fazer, como diz Estragon. Godot é apenas um alguém que preenche a falta de sentido de Vladimir e Estragon, o que compõe toda a peça.
 
 
 


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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