Quinta, 18 Abril 2024

Cooperfraudes sem espaço

 

Presente nos cinco continentes, o cooperativismo responde pela geração de mais de 100 milhões de empregos. No Brasil, as 6 586 cooperativas de 13 ramos de atividades têm mais de 10 milhões de associados, sendo 4,6 milhões no cooperativismo de crédito -- na prática, mais de 1 mil agências bancárias que, tendo os cooperados como acionistas, cobram juros mais baixos do que a banca convencional.
 
Embora sejam motores de inclusão social, geração de renda e promoção de desenvolvimento regional, essas organizações solidárias inventadas em 1844 por operários ingleses são até hoje discriminadas pelos agentes da economia capitalista e, não raro, sofrem o desdém de executivos públicos que as associam a conluios fraudulentos, como o são muitas “cooperativas de trabalho”.  
 
A propósito desse tema, o respeitado economista Paul Singer escreveu artigo na Folha de S. Paulo elogiando a aprovação pela Câmara dos Deputados, no final de junho, da Lei das Cooperativas de Trabalho do Brasil, após oito anos de negociações que ilustram os conflitos no mundo do trabalho brasileiro nas últimas décadas.
 
Desde 2003 dirigindo a Secretaria Nacional de Economia Solidária (órgão do Ministério do Trabalho e Emprego), Singer contou que logo ao chegar a Brasília soube que muitas cooperativas de trabalho estavam sendo fechadas pela fiscalização, sob a alegação de que precarizavam os direitos trabalhistas de assalariados, substituídos por seus associados. Como estes são considerados autônomos, não tinham direito a salário mínimo, descanso remunerado, FGTS, 13º salário e demais direitos trabalhistas.
 
Muitos membros de cooperativas aceitavam trabalhar só pelo salário, abrindo mão de todos os outros direitos. Como cooperativas podem ser contratadas por empresas para realizar tarefas diversas, é vantajoso para empregadores substituir seus assalariados por cooperados, cujo custo não é onerado por direitos trabalhistas. Havia uma larga porteira  aberta para a prática do gangsterismo patronal.
 
Já bem antes de 2003 detectou-se a proliferação de falsas cooperativas de trabalho, formadas por empresários que demitiam seus empregados e os obrigavam a se filiar a uma cooperativa de fachada. Nos meios sindicais e trabalhistas, essas organizações eram conhecidas como “cooperfraudes”, mas nem sempre a fiscalização do MTbE as distinguia de uma cooperativa autêntica, até mesmo porque elas operam em setores precários ou emergentes, como a reciclagem de resíduos e a terceirização de serviços em áreas privatizadas.
 
A saída foi seguir o exemplo da Europa, onde leis de defesa das cooperativas de trabalho exigem que sejam garantidos direitos trabalhistas aos seus sócios, mesmo sem patrões. A relação do sócio com a cooperativa foi reinterpretada: o coletivo da sociedade cooperativa tem os mesmos deveres em relação ao sócio individual que o empregador em relação ao empregado.
 
A lógica da interpretação é que direitos do trabalho são parte dos direitos humanos. Enquanto houver trabalhadores por conta alheia, com direitos dos quais não podem abrir mão, e trabalhadores por conta própria, que não gozam desses direitos (e então têm uma “vantagem competitiva” no mercado de trabalho), os últimos sempre serão preferidos pelos empregadores, pois custam bem menos.
 
Em época de falta de trabalho, ambos serão prejudicados: cooperados porque não são assalariados, estes porque não terão emprego.
 
A nova lei das cooperativas de trabalho resolve os impasses, pois determina que todos os trabalhadores, por conta alheia e própria quando associados em cooperativa, têm os mesmos direitos.
 
Cooperativas de baixa renda que agora não ganham o suficiente para garantir aos sócios os seus novos direitos terão prazos para elevar sua renda, com o auxílio do Programa de Fomento das Cooperativas de Trabalho (Pronacoop), previsto na lei.
 
E a Secretaria Nacional de Economia solidária comprometeu-se a obter o enquadramento de cooperados de baixa renda em programas como o Supersimples. Na prática, isso equivale a  estender os benefícios do programa Brasil sem Miséria aos agrupamentos carentes da própria economia solidária.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
O cooperativismo é citado de raspão em dois artigos (174 e 187) da Constituição de 1988.
O 187, que trata da política agrícola, diz que esta deve levar em conta o cooperativismo, além de outros sete aspectos, itens ou fatores.
 
O 174 diz que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. Destaca-se, especialmente, em dois parágrafos, “a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”.
 
Os garimpeiros contemplados (teoricamente) pela Constituição são os rurais ou silvestres, em franca decadência diante da mecanização das lavras. Enquanto isso, a lei é absolutamente omissa quanto aos garimpeiros urbanos, denominados catadores ou reciclantes, que crescem com o êxodo rural e a urbanização.    

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