Sexta, 26 Abril 2024

Crime sem castigo

 

Após ouvir por mais de quatro horas o universitário Marcos Rogério Amorim dos Santos Júnior, que admitiu ter disparado um tiro na boca da namorada, Arielle Martins Pardinho, que morreu no apartamento do universitário, em Linhares, na última segunda (3), o delegado-chefe do Departamento de Polícia Judiciária, Fabrício Lucindo, declarou à imprensa que acreditava na versão do jovem. 
 
Ao fazer a afirmação, no mínimo prematura, o delgado admitiu que o tiro pode ter sido disparado sem querer. Ou seja, da maneira como o delegado está construindo sua tese, fica evidente que o crime que matou a jovem de apenas 21 anos não passou de um “infeliz acidente”. 
 
Imaginem como os pais de Arielle devem ter se sentido quando ouviram as declarações do delegado, que acabou previamente inocentando o universitário. Inocentando,sim, pois ele admitiu que “comprou” a versão do autor do disparo fatal. Como a vítima não pode mais se defender, vale, para o delegado, a versão do criminoso.
 
Em vez de pôr os pés pelas mãos, o delegado deveria se ocupar de investigar os motivos que levaram Marcos Rogério a ter adquirido ilegalmente uma arma de fogo. Seria só para apimentar a relação sexual? Então por que a arma que funcionaria como acessório de fetiche estava carregada? 
 
A advogada já “arrumou” mais uma serventia para a arma. Disse que era para o seu cliente se defender em casa, como se isso fosse um expediente normal das pessoas de bem. Em outras palavras: se você está se sentido inseguro, com medo da violência, vá até a periferia mais próxima e compre uma arma com numeração raspada para se defender dos bandidos, talvez os mesmo que te venderam a arma. 
 
Depois os especialistas ficam quebrando a cabeça para entender por que o Espírito Santo é um dos estados mais violentos do País – o primeiro em homicídios de mulheres. A resposta é simples. Um dos principais gatilhos da violência é sem dúvida a impunidade. Basta olhar a quantidade de inquéritos de homicídios inconclusos que permanecem estocados nas prateleiras da força-tarefa do Ministério Público Estadual.
 
Quando uma autoridade dá uma declaração irresponsável como a do delegado Lucindo, está incentivando a impunidade. As fotos publicadas nos dois principais jornais impressos do Estado ilustram muito bem isso. As edições desta quarta (5) trazem uma grande foto com pai e filho saindo abraçados da delegacia. Eles aparecem de cabeça erguida, confiantes que serão inocentados. A sensação, para quem não conhece o caso, é a de que são eles as vítimas. 
 
Fica a pergunta para o delegado Fabrício. Será que se a jovem Arielle fosse filha de um figurão importante, um político, um empresário ou um magistrado, o encaminhamento do caso seria o mesmo? Será que o doutor Fabrício falaria com tanta naturalidade que “acredita na versão” do criminoso e os dois sairiam impunes pela porta da frente da delegacia. Sim, o pai também, pois violou a cena do crime e deu fuga ao filho. 
 
Mas como o pai de Arielle é um simples motorista, a sensação de impunidade aumenta. O pai do universitário, é claro, quer convencer a sociedade de que tudo não passou de um acidente, uma fatalidade, um mal entendido. Aquelas coisas que lamentamos para o resto da vida, mas que infelizmente acontecem. Fazer o que, não é? Passar uma borracha em cima e tocar a vida pra frente. Não é isso? Afinal, em função de um acidente, “não devemos” sacrificar a vida de mais um jovem que tem um futuro todo pela frente. Mesmo porque, a punição não vai trazer Arielle de volta. Não é verdade?
 
Pronto, com os argumentos acima e com a ajuda do delegado as chances de Marcos ser condenado são pequenas. No desfecho de sua entrevista, o delegado Fabrício soltou aquela balela que todas as autoridades que estão na frente das câmeras gostam de soltar: “se condenado, deve pegar de 12 a 30 anos de prisão”. 
 
Será? Vamos esperar para ver. Mas, à primeira vista, parece que esse será mais um crime sem castigo. 

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