Sexta, 03 Mai 2024

Crise de identidade

Circula nos corredores do Palácio Anchieta que o novo secretário de Segurança Pública, André Garcia, é a revelação da equipe de governo de Casagrande. Remanescente do governo Paulo Hartung, Garcia chegou de mansinho, mas com certo prestígio. 

 
O governador entregou a Segurança a Henrique Herkenhoff, uma das então promessas da equipe formada por Casagrande, mas compensou Garcia com uma nova pasta. Tudo bem que ninguém nunca soube ao certo quais são as atribuições da Secretaria de Ações Estratégicas, mas pelo menos a pasta serviu de trampolim para Garcia chegar à Justiça. 
 
Com as suspeitas de envolvimento do então secretário Ângelo Roncalli no escândalo do Iases, Casagrande precisava de um secretário que não lhe trouxesse problemas. No curto período de seis meses que ficou à frente da pasta, Casagrande parece ter ficado bastante satisfeito com o trabalho de Garcia. Salvo o problema com os presos que tiveram as nádegas queimadas no Xuri, o secretário conduziu sem sobressaltos a Secretaria de Justiça. 
 
Na avaliação do governador, no entanto, André Garcia superou todas as expectativas, se tornando uma grata surpresa. Identificado como uma espécie de “bombeiro” capaz de rescaldar crises, o secretário acabou sendo o escolhido por Casagrande para comandar uma das secretarias mais complexas do governo: a Segurança.
 
Desde a última sexta (1), quando foi convocado às pressas pelo governador para substituir Herkenhoff, André Garcia pareceu bem à vontade à frente da pasta, a qual já havia comandado no último ano do governo Paulo Hartung. 
 
A aposta de Casagrande, no entanto, pode não ter sido tão acertada se o secretário insistir em reeditar as estratégias de gestão do ex-secretário Rodney Miranda, seu padrinho. Para quem não se recorda, foi o atual prefeito de Vila Velha quem trouxe Garcia na bagagem quando retornou do “exílio” em Pernambuco, depois do escândalo dos grampos à Rede Gazeta.
 
A convivência com Rodney, desde os tempos em que era subsecretário de Segurança do padrinho, parece ter influenciado o novo secretário de Segurança. 
 
No seu primeiro dia de trabalho, nessa segunda-feira (4), Garcia imitou o ex-chefe e foi para as ruas com o propósito de acompanhar as operações da polícia. Entretanto, nas fotos publicadas nos jornais dá para perceber que o secretário não leva jeito para encarnar o personagem de Rambo. Melhor assim. 
 
Como provavelmente não pretende passar a usar uma indumentária camuflada e nem ostentar uma poderosa pistola no peito a bordo de uma reluzente caminhonete, não faz muito sentido ele dizer que participará dessas operações de rua pelo menos uma vez por semana. 
 
Seria para mostrar à sociedade que ele, ao contrário de Herkenhoff, não é um gestor de gabinete? Ou seria uma aposta seca na estratégia vencedora de Rodney? É notório que Rodney teve resultados pífios na Segurança, mas acabou recorrendo às operações midiáticas como palanque para se eleger deputado e depois prefeito. 
 
Além das aparições públicas, André Garcia, nas primeiras entrevistas aos jornais, revelou outro traço polêmico do ex-secretário: a maquiagem dos números. 
 
Seria mais honesto com o cidadão capixaba que o novo secretário não tentasse “dourar a pílula” para exaltar os esforços do governo para coibir a violência. Garcia tem de dizer a verdade, mesmo que não seja uma informação impopular. 
 
Os números apontam que ainda é prematuro falar em tendência de queda da violência, como tem insistido o governo, repetindo que houve uma redução de 20% nos últimos três anos. 
 
Como revelamos na reportagem publicada hoje (5), a série histórica de 2000 a 2012 mostra que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, no início do século, era inferior à taxa de 2012. Na verdade, as estatísticas são espasmódicas, ora os números sobem ora descem um pouco, mas não dá para cravar que existe uma tendência de queda consolidada. 
 
Segundo os dados do Mapa da Violência - estudo usado hoje como referência pelo Ministério da Justiça para analisar a evolução dos homicídios dolosos no Brasil -, em 2000 o Estado ocupava a terceira posição no ranking nacional, com 46,8 homicídios/100 mil. Para efeito comparativo, no mesmo ano, o Rio de Janeiro, que verdadeiramente registra tendência de queda há mais de uma década, ocupava a segunda posição, com 50 assassinatos/100 mil. Dez anos depois, o ES pulava da terceira para a segunda posição e o Rio da segunda para a décima sétima. Quem pode falar em tendência de queda, José Maria Beltrame ou André Garcia? 
 
Mas André Garcia tentou emplacar outro dado da cartola, como costumava fazer Rodney Miranda. Ele declarou ao jornal A Gazeta que a “taxa de homicídios por 100 mil é a menor dos últimos 17 anos. Isso é muito significativo”, disse o secretário. 
 
De fato é muito significativo, pois mostra que André Garcia também não está pronto para encarar a violência no segundo Estado que mais se mata no Brasil como ela é. Talvez seja por isso que ele se recusou a apresentar uma meta de redução dos homicídios. Se a estratégia passa pela maquiagem dos dados, é quase impossível fazer qualquer estimativa. É melhor deixar para “acertar” os dados depois. Mais ou menos como fez Rodne em 2009. 

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