Quinta, 28 Março 2024

Cuidado com o grampo que ele te pega

 

No meio jornalístico os profissionais sempre tiveram uma preocupação redobrada em assegurar o sigilo de suas fontes. Durante a ditadura militar (1964 – 1985), jornalistas e fontes sofreram os diabos para conseguir manter essa cadeia de informação em funcionamento. 
 
No Espírito Santo, mais de 25 anos após o fim da ditadura, o governo do Estado recorre a um dos expedientes mais usados durante a repressão, o grampo. O mecanismo ainda é o mesmo da ditadura militar: invadir a privacidade alheia para interceptar ligações telefônicas “suspeitas”. 
 
A obsessão em manter o controle político do governo por meio de escutas telefônicas, muitas delas ilegais, foi ideia que ganhou força ainda no primeiro mandato do governo Paulo Hartung. Eleita como uma das principais ferramentas para “vigiar e punir” seus adversários, Hartung trouxe especialistas de fora do Estado para implementar o projeto de controle. 
 
Os delegados federais Rodney Miranda e Fernando Franceschini foram chamados para montar a “grampolândia” no Estado: Respectivamente secretário e subsecretário de Segurança, a dupla trouxe o sistema guardião para o Espírito Santo e deu início a farra do grampo.
 
O auge das interceptações desenfreadas do governo Hartung aconteceu com o grampo do grupo de comunicação Gazeta. O escândalo acabou sendo abafado e a CPI, que chegou a ser aberta na Assembleia, não deu em nada. 
 
A reportagem publicada hoje (3) mostra que a arapongagem continua a todo vapor no governo Casagrande, que parece ter gostado do mecanismo do seu antecessor. 
 
Os dados publicados a partir de um levantamento do Ministério Público Estadual apontam que entre 2009 e 2011, o total de escutas com autorização judicial saltou de 509 para 11.452, uma alta espetacular de 2.144%.
 
O número de investigados também cresceu – saltando de pouco mais de mil pessoas, em 2009, para quase 13,4 mil no ano passado. No período, a relação de investigados e grampos em cada procedimento é quase 15 vezes maior. 
 
No governo Hartung, o então secretário de Segurança Rodney Miranda (hoje deputado estadual e candidato a prefeito de Vila Velha) costumava dizer que o grampo era uma eficiente ferramenta para combater o crime organizado – inimigo virtual criado na Era Hartung para justificar uma série de medidas autoritárias do então governo. 
 
O atual secretário de Segurança, Henrique Herkenhoff, admitiu recentemente que o governo do Estado estava investindo pesado no sistema de escutas telefônicas com a aquisição de novos aparelhos guardiões. Henkenhoff alegou que as escutas eram necessárias para tornar mais eficiente a inteligência da polícia no combate às organizações criminosas e ao tráfico de drogas. "O guardião facilita o registro das conversas dos criminosos e com base nas escutas temos informações para orientar as ações dos policiais. Muitos delegados estão pedindo o uso do guardião, devido à quantidade de telefones usadas por criminosos. O guardião só pode ser utilizado para escuta, com autorização judicial", esclareceu Herkenhoff, em entrevista à Rádio CBN Vitória, no mês de junho último. 
 
Na prática, nos jornalistas, que recebemos constantemente informações “confidenciais”, percebemos que as fontes estão cada vez mais melindradas, assustadas mesmo. As pessoas ficam apreensivas em fazer qualquer relato por telefone. Quem arrisca fala codificado ou vai avisando logo que sabe que está grampeado e não poderá dar os detalhes de determinado episódio por telefone. 
 
Outras fontes já riscaram o telefone como meio de comunicação para passar informações sigilosas. Preferem se comunicar por e-mail, mas mesmo assim suspeitam que o temido guardião seja capaz de violar as mensagens eletrônicas. 
 
Os mais cautelosos procuram a Redação para passar pessoalmente as informações ou as enviam por cartas anônimas. Outras pessoas preferem não correr risco e simplesmente desistiram de passar informações aos jornais. Perde o leitor. 
 
Nós jornalistas, que temos o compromisso de zelar por nossas fontes, respeitamos e compreendemos toda essa apreensão, esse pavor ao guardião. Não se trata de ser persecutório. O “grampo indiscriminado passou a ser uma temida ferramenta de repressão e controle político, como nos regimes totalitários. No Espírito Santo, em pleno século XXI, estamos com medo de exercer um dos direitos mais básicos, o de se expressar. 

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