Quinta, 25 Abril 2024

Dear Mud...

Tenho a honra de ser a fiel depositária de uma coleção de cartas datadas de 1918 - coincidentemente, o ano em que minha mãe nasceu. Todas começam com essa singela saudação: Dear Mud, e fico imaginando quem seria essa ou esse Mud que as recebeu e preservou para a posteridade. Como essas singelas cartas entre familiares resistiram ao corrosivo passar do tempo, jamais saberemos. Todas assinadas por Frank, estacionado em uma base aérea naval americana na US Naval Air Station, Ilha Whiddy, Irlanda.

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Primeira Grande Guerra. No papel encardido, a tinta se mantém clara, a letra precisa. O cotidiano de uma base militar, mesmo naqueles idos, talvez não mereça atenção especial, a não ser por uma delas: Frank e quatro colegas deixam a base para um fim de semana que supunham ser maravilhoso. Em Cork, a cidade mais próxima, depois Dublin, onde assistiram a um incrível show de vaudeville no Hippydrome. Às sete da manhã do dia seguinte eles embarcaram de volta para Cork, no navio dos correios.

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Frank: Estávamos perto da amurada olhando as águas tranquilas quando fomos atingidos sem aviso: um ataque submarino era a última coisa que passaria por nossas mentes. O primeiro torpedo perdeu o alvo; o segundo atingiu o bombordo; o terceiro afundou o navio. Se os torpedos não tivessem explodido o navio, todos teriam afundado com a sucção. Os passageiros estavam apavorados, principalmente os soldados do exército: eram 300, o maior bando de covardes que já vi - não deram preferência às mulheres e crianças nos barcos salva-vidas e pulavam neles antes que chegassem na água. Os gritos eram terríveis, e muitas pessoas morreram diante dos meus olhos.

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Os sobreviventes nadavam em águas turbulentas, agarrando-se aos botes salva-vidas e aos destroços. Muitas mulheres e crianças estavam calmas e algumas se aproximavam de nós pedindo, "Marinheiros yankees, nos salvem." Consegui entrar em um raft, que virou com o excesso de gente. Consegui pegar outro, mas virou também - afundei e pensei que nunca voltaria à tona.

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Uma mulher se pendurou no meu pescoço, e tive a ideia de me agarrar a um dos destroços flutuando nas ondas. Ficamos umas três horas nas águas geladas, com os corpos de soldados e peixes mortos batendo em nós a cada onda. Dos 20 soldados americanos, apenas sete sobreviveram. A mulher estava em péssimas condições e foi levada para o hospital.

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Achado no Google: O ataque ao navio dos correios RMS Leinster por um submarino alemão resultou na maior perda de vidas em mares irlandeses e o pior acidente ocorrido com um navio irlandês. O ataque matou 585 pessoas e prejudicou os acordos de paz na primeira guerra. Mesmo assim, poucos irlandeses já ouviram falar nessa tragédia. Nove dias depois do ataque, o navio alemão se perdeu em águas minadas e afundou, matando toda a tripulação.

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