Segunda, 29 Abril 2024

Desaparecidos: sempre presentes

 

Há um livro argentino – um romance – sobre desaparecidos políticos que merece ser lido por brasileiros neste momento em que a Comissão da Verdade circula pelo Brasil recolhendo histórias sobre violações dos direitos humanos no tempo da ditadura militar (1964-1985). Trata-se de A Quem de Direito (A Quienes Corresponda), de Martín Caparrós.
 
 
Lançado na Espanha em 2008 e editado no Brasil em 2011 pela Cia das Letras, esse livro é mais uma prova de que nossos vizinhos do Sul, embora tenham tido um ditadura muito mais tardia e breve (1976-1983), acumularam um incomparável know how em técnicas de desaparecimento de dissidentes políticos. Por isso, talvez, tenham chegado a uma literatura mais bem elaborada.  
 
A personagem central é Estela, uma desaparecida política. Invisível mas presente, ela atormenta a consciência do companheiro Carlos, que não chegou a ser preso junto com ela porque chegou atrasado ao ponto de encontro numa rua de Buenos Aires dos anos 1970.
 
 
Covardia? Esperteza? Sacanagem? Traição? Tudo indica que ele era do bem mas, naquele tempo de ditadura militar e subversão marxista-leninista, ninguém era totalmente confiável.
 
 
Cheio de culpa e de dúvidas sobre o que terá acontecido com ela – segurou a gravidez incipiente?; morreu sob tortura?; entregou os pontos?; passou para o outro lado? –, Carlos retoma a vida normal, passando da clandestinidade para a marginalidade. De vez em quando reencontra um ex-companheiro, Juanjo, bem situado num cargo público que lhe garante certo bem-estar, algum status e a ilusão de que está fazendo alguma coisa pela antiga causa revolucionária, embora consciente de que a velha ordem militarista continua viva nos bastidores do regime democrático. A semelhança com o Brasil é gritante.
 
 
Em busca de um ajuste de contas com o passado, o ex-revolucionário se fixa na figura de um ex-capelão militar relegado a pároco de um vilarejo depois de servir num “chupadero”, um dos centros de interrogatórios de presos políticos. Sua missão era dar assistência a torturados e torturadores. Dependendo do caso – foram milhares --,  dava extremunção e/ou absolvição.     
 


A leitura desse livro – o Papa Francisco talvez o tenha manuseado quando era arcebispo de Buenos Aires -- nos faz lembrar o quanto foram hábeis e perversas as ditaduras militares do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile entre os anos 1970 e os anos 1990. Elas tinham fachada militar mas – isso fica cada vez mais claro -- sua motivação empresarial era fruto de uma articulação promovida pelo governo dos Estados Unidos com a bênção da igreja católica.
 


LEMBRETES DE OCASIÃO
 
“Nosotros somos derechos y humanos”
 
Decalque colado em vitrines de Buenos Aires em 1980
 
“Brasil: ame-o ou deixe-o”
 
(Campanha inspirada no ‘nacionalismo’ dos anos 1970) 

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Segunda, 29 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/