Imagina isso no Brasil, onde as leis são bastante flexíveis!

As longas filas de registradoras no supermercado têm longas filas de compradores apressados empurrando seus carrinhos lotados. Mesmo se a opção “faça você mesmo” esteja ganhando essa competição, ainda tem muita gente usando os tradicionais caixas com atendendentes mal-humoradas. Ou sorridentes, se você der sorte: “O próximo, por favor!”
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É sabado e tenho pressa. Pego o que preciso e me dirijo ao caixa mais rápido: dez itens, apenas. Reavalio minhas opções: 11! Tiro o sabão em pó e deixo a roupa suja acumulando no cesto, ou elimino o pão de banana e algumas calorias do cardápio? Tiro a carne para o guisado ou o peito de peru moído? Ou molido, como diz a neta que sempre recusa: não gosto de carne mastigada!
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Arrisco passar os 11 itens – a atendente aperta um botão invisível, e a luzinha vermelha avisa que uma infratora tenta burlar a lei. Sou interceptada pelo segurança, cognominado cara-feia, que examina meu carrinho com ar suspeito – como se fosse o Trump numa festa do dia de los muertos no México. Explico que um artigo a mais não vai alterar a rota dos planetas nem os códigos de conduta ainda em vigor. Os que estão atrás de mim vaiam – e a fila não anda.
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Resisto: ou passo com tudo ou vou para o supermercado do outro lado da rua, onde as bananas estão pela metade do preço. O sujeito não se impressiona: dura lex sed lex, Madame, ele proclama, e o povo esperando na fila lhe dá irrestrito apoio. Os romanos foram exímios criadores de frases retumbantes que se perpetuaram através dos séculos. A lei é dura mas é lei, ou seja, tem que ser respeitada, doa a quem doer. Imagina isso no Brasil, onde as leis são bastante flexíveis!
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Mesmo se for o presidente da República de outro país brincando com tarifas como se fosse o juiz de um jogo de futebol, aqui quem manda sou eu! Dizem até que os brasucas serão barrados na próxima Copa do Mundo. Em uma antiga musiquinha de Carnaval, um policial falava para um sujeito folgado que queria burlar a santa lei: dura Lex sed Lex, nem que o senhor fosse o Café! Referia-se ao Café Filho, na época nosso 18º Presidente da República, que reinou de agosto 1954 a novembro 1955. Acho que foi o mandato mais curto que tivemos, nem deu tempo de tirar as roupas da mala.
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A lei pode ser igual para todos, mas os carrinhos do supermercado revelam as diferenças sociais: mais pra uns poucos, menos para muitos. Carne de primeira em um, salsichas de segunda em outro…sabão em pó ou sabão em barra…as filas dos supermercados são ótimas para estudar as desigualdades habituais no nosso dia a dia, mas tenho pressa, e o jeito foi mesmo eliminar um produto do meu já exíguo carrinho. Os da fila atrás de mim aplaudem, mas a família ficou sem sorvete para a sobremesa.