Sábado, 20 Abril 2024

Do caos ao cosmo

Não tem nada de pessimista a constatação de que vivemos em “tempos difíceis”.


Essa interminável campanha eleitoral está cada vez mais insuportável, abalos e mais abalos. A cada aparição do presidente e seus próximos com pronunciamentos ignóbeis, agressivos e provocadores, o País bambeia e a insegurança ameaça, também, a cada apoiador que desce do bonde, temos a sensação de que a casa vai cair. 


As coisas mais importantes, para uma visão holística do mundo e de nossas vidas, como o meio ambiente, os povos tradicionais e o sentimento humanitário, até então comuns e crescentes no brasileiro, estão sendo ameaçadas de industrialização, coisificação e brutalização. 


Citando somente as demandas mais gritantes do agora: violência do desemprego, sem atitude de combate visível, a violência urbana descaradamente prendendo e dizimando a juventude negra da periferia, e agora o aumento das queimadas, destruindo a floresta e espalhando a fumaça pelo País... 


Realmente está difícil. 

Contudo, frente a todo esse caos, a resistência está, a cada dia, mais presente. Traduzida em Saraus de poesia, movimentos culturais, artísticos, espetáculos teatrais, de dança, Slam, etc. espalhados por toda a cidade, rompendo com qualquer centralismo sócio-elitista, por sua presença maciça e marcante nas periferias, mesmo as mais estereotipadas como violentas. Para exemplificar, vou relatar alguns eventos que presenciei de extraordinário impacto nesse imaginário real de caos social.


Ao prestigiar, no último dia 10, um evento numa tabacaria em Nova Rosa da Penha, antiga Itanhenga, comunidade marcada como das mais violentas das periferias de Cariacica, pude constatar a efervescência cultural na variedade de eventos espalhados em menos de um quilômetro de sua área central, com atrações de Rap, Rock, Jazz, samba e pagode. A comunidade alegre, produzindo sua cultura e também a sua renda, com muita gente trabalhando e se divertindo, pacífica e harmoniosamente, numa união de jovens, famílias com crianças e tribos, as mais distintas umas das outras. 


No sábado seguinte, dia 17, fui a São Diogo, também periferia, mas da Serra, onde conheci uma iniciativa formidável, que também revela resistência, capitaneada por pessoas realmente grandes e ousadas, capazes de acender um imenso farol onde carece a luz. Um centro cultural com variada oferta de atividades como cursos de dança, desenho, teatro, música e até uma biblioteca aberta à comunidade, chamado Centro Cultural Eliziário Rangel. 


E, por último, um verdadeiro êxtase...


Dia 21, para celebração dos 30 anos sem Raul Seixas, o mais espantoso, a Passeata Raulseixista, daquelas que interrompem o trânsito do Centro de Vitória, como estamos nos acostumando a ver e sofrer todos os dias, transparecendo os conflitos sociais com a tensão de contrários heracliana, por um lado os que lutam pelos seus direitos e por outro a sociedade alienada em sua rotina. Só, que nesse caso, não era nada disso, tratava-se de gente festejando a vida, a alegria e a atualidade dos reclames sociais em festa – TOCA RAUL – mesmo os incomodados com a interrupção do trânsito, quando percebiam o objeto em questão aliavam-se, festejavam e seguiam. Na minha reflexão: esses eventos que Vitória merece!


Assim a sociedade vai amadurecendo em si mesma, expandindo consciência, independentemente de governos e fascismos tão evidentes, alimentando esperança sem passividade, com voz e autonomia. Esse caminho, que já percorremos para vencer a ditadura, e que novamente se faz necessário e presente e, mais que tudo, próprio de quem sabe fazer a hora e não espera acontecer, parafraseando Vandré, e que, acredito, irá resistir para não alugar o Brasil, como vislumbrou Raul. 



Amar e se amar para resistir sempre!      



 




Everaldo Barreto é professor de Filosofia

 

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