Como acontece tradicionalmente no florido e risonho mês de maio, o mundo celebra meu aniversário. Bem, se não o mundo, pelo menos eu. Cada novo ano põe uma velinha a mais no bolo confeitado, para nos mostrar que o tempo passou. Mas com tantos espelhos à nossa volta – da porta de entrada do meu local de trabalho até minha sala, passo por três! – só a Carolina do Chico não vê que o tempo passou.
Na minha não tão distante infância, espelho era uma raridade, e na minha casa só tinha um, aqueles de moldura amarela, 20 x 20. Espelho de corpo inteiro? Só conheci na maioridade. Hoje tem espelho pra quem quer e não quer enxergar a realidade. Quem não carrega pelo menos um espelhinho na bolsa? Os carros têm três, alguns com luzinha; os shoppings os põem até no teto, às vezes até no chão; os narcisistas cobrem suas paredes com eles.
O espelho da madrasta da Branca de Neve não é pura lenda, pois todos os espelhos sabem responder à dolorosa pergunta: Espelho, espelho meu, quem é mais bela do que eu? O único que descobriu quem era o mais belo sem precisar perguntar a um espelho foi Narciso. Além de simbolizar a vaidade humana, Narciso é a prova de que os espelhos alteram personalidades… Antes de se apaixonar por sua própria imagem refletida nas águas de um lago, o jovem caçador grego era um bom sujeito, sempre pronto a ajudar a todos.
O tempo passou e Narciso continua ajudando a todos, agora servindo de mau exemplo. Na música, na pintura, na literatura e nos filmes, ele é tema constante e sempre atual. Harry Potter tem Narcissa Malfoy; Caetano o cantou em Sampa – É que Narciso acha feio o que não é espelho; Paulo Coelho começa O Alquimista com a história de Narciso, que o personagem conheceu em um livro trazido por alguém da caravana. De acordo com os entendidos, Coelho se inspirou em O discípulo, de Oscar Wilde, no livro Poemas em Prosa.
O termo narcisismo foi criado em 1899, indicando perversão sexual, pois ele se apaixonou por si mesmo. Mas o coitado nem sabia que a imagem era dele. Prefiro ver Narciso como símbolo da vaidade humana, bem representada no excesso de espelhos e de fotos – e agora os selfies – com que nos cercamos. Paradoxalmente, é nesses espelhos mágicos e nas estáticas imagens das fotografias que acompanhamos o implacável passar do tempo… Mais um aniversário? É, os espelhos têm sido generosos…