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Ecos da rua

Se o governador Renato Casagrande (PSB) tivesse ouvido o conselho de sua assessoria, não teria passado o aperto que passou durante a III Conferência Estadual de Promoção à Igualdade Racial (24, 25 26 de agosto, no Sesc Aracruz). Na sexta (24), noite de abertura do evento, o governador foi surpreendido por um protesto pra lá de inusitado. 
 
Um pequeno grupo de jovens vestidos vestidos ao estilo “black blocs” se perfilou no fundo do auditório do Sesc Aracruz, onde acontecia a conferência. Somente a presença dos manifestantes, embora pacífica, causava um certo constrangimento no governador, assessores e políticos que acompanhavam o evento. 
 
Como o ditado “quem não deve não teme” não podia ser aplicado, no caso do governador, havia uma cisma dos assessores que aquilo podia acabar mal. Aliás, os próprios assessores de Casagrande, como o própria governador admitiria pouco tempo depois naquela noite, o aconselharam a evitar atos públicos. 
 
O governador ignorou o conselho, talvez não por teimosia, mas por convicção que a ressaca dos protestos de junho e julho fora superada. Talvez, no fundo, ele quisesse testar se sua popularidade já estava em franca recuperação. 
 
Mas foi ousada na escolha, quis começar logo pelo teste mais difícil: encarar de uma só vez uma plateia de cerca de 250 delegados estaduais ligadas ao movimentos populares, sobretudo os que militam em defesa dos direitos dos negros. 
 
Foi justamente o representante do Fórum da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes), Luiz Inácio Silva Rocha, o Lula, que, de improviso – pois fora chamado à mesa de última hora para substituir o titular que falaria em nome dos movimentos sociais -, trouxe o movimento das ruas para dentro do auditório do Sesc Aracruz. 
 
Com muita personalidade, Lula aproveitou o momento – não poderia ser mais propício – para prestar uma justa homenagem ao “companheiro” Rafael Miranda, o Feijão – um dos manifestantes presos no “arrastão” da polícia que levou em cana mais de 30 pessoas no ato do dia 19 de julho último, no Centro da Capital capixaba. 
 
Também de improviso, Feijão, emocionado com a homenagem, foi em direção à mesa agradecer o companheiro de militância. No caminho do fundo do auditório ao palco, teve um estalo. Feijão sacou do bolso o alvará de soltura e decidiu exibi-lo ao governador Casagrande, que deve ter gelado na hora. Pelo menos seu semblante passava um desconcertante constrangimento. 
 
Depois de fazer um discurso político equilibrado, longe de ser ofensivo ou raivoso, o militante compartilhou com as mais de 400 pessoas da plateia a experiência de passar quatro dias (injustamente) preso nas unidades prisionais do Estado.
 
O militante explicou ao governador que os manifestantes estavam nas ruas para ajudá-lo a construir um Estado mais justo e democrático. ''Mas o senhor não percebeu isso. Mandou o BME pra cima da gente”. 
 
Casagrande, que se manteve inerte diante das cobranças, ainda foi pressionado por Lula, que sugeriu ao governador uma retratação pública ao companheiro Feijão. Inflexível às críticas, Casagrande se reservou à comodidade de permanecer calado. 
 
Perdeu uma grande oportunidade de fazer um pedido de desculpa público a todos os manifestantes que sofreram violência da polícia nesses dois meses de protestos. Talvez o pedido não fosse aceito de imediato pelos manifestantes e familiares, principalmente os que ficaram arbitrariamente no xilindró por quase uma semana. Uma experiência traumatizante que irão carregar para os restos de suas vidas. 
 
Mesmo assim, o pedido de desculpas era um primeiro passo, uma demonstração de humildade do governador. A retratação poderia diminuir a enorme distância existente hoje entre o governo, que se diz socialista, e os movimentos populares. 
 
Talvez fosse prudente para o governador ouvir com humildade o conselho do Feijão: “Quando o senhor colocar a cabeça no travesseiro, pense no que quer para o nosso Estado”. Se não quiser seguir o conselho do Feijão, melhor então seguir o dos seus assessores: “Fique longe dos atos públicos”. Em outras palavras, “fique longe do povo”. 
 

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