É maliciosa a ideia de que a economia brasileira está à deriva. Mais do que maliciosa, é uma ideia oportunista, demagógica e hipócrita.
Quem a propaga são pessoas que apostam no “quanto pior, melhor”. São como os abutres e as hienas: estão interessados em tirar proveito da situação.
Sem dúvida, há uma crise econômica que se combina com as crises política e moral. Mas, pesando bem, a menor das três crises é a da economia. Porque é uma crise conjuntural, enquanto as outras são estruturais.
A economia está funcionando perfeitamente bem dentro das regras do jogo. Aqui e ali vemos ajustes que se refletem em índices declinantes, mas esse quadro não é desesperador como pintam. Tampouco é generalizado.
O Brasil está colhendo a maior safra agrícola da história. As exportações estão crescendo em volume apesar da queda das cotações das commodities. Aviação, rodovias, portos, turismo, escolas, hospitais, transporte, sistema financeiro — está tudo operando dentro dos parâmetros normais. Até a máquina governamental, intoxicada por mil fofocas, continua operando. Como nunca andou em alta velocidade, não é de estranhar que pareça emperrada.
Por trás dos ajustes, vai se impondo uma racionalização benéfica para a economia em geral. A ideia do crescimento ilimitado é um embuste. Não há espaço para tantos prédios e tantos carros nas cidades. Há um colapso no horizonte dos arautos do progresso a qualquer preço.
Andar com os cintos apertados é normal em qualquer situação de crise. Mas há nos meios políticos, empresariais e midiáticos uma tendência a exagerar as coisas de modo a criar um clima propício à liberação de amarras, à ampliação dos limites das operações, a flexibilização dos contratos de trabalho etc.
Já se viu que há aí um jogo oportunista para favorecer quem está por cima. Mas é um jogo hipócrita que se pratica em nome dos que estão por baixo e que são, naturalmente, os mais afetados pelas crises.
O aumento dos índices de desemprego enquadra-se como parte dos ciclos econômicos. As coisas já não ocorrem como na Bíblia, que falava de sete anos de vacas magras após sete anos de vacas gordas. Agora os países não dependem tanto da agricultura, os ciclos se entrecruzam. Porém, mais uma vez, o mundo está às voltas com uma profunda mudança de paradigmas tecnológicos.
A informática combinada com as telecomunicações via satélite e fibras ópticas está virando pelo avesso uma série de processos de produção, transmissão de dados, logística e comércio. Não há setor que não tenha sido afetado por essa revolução. Todas as atividades, todas as profissões estão sendo afetadas por tais mudanças. Os maiores beneficiários são os setores financeiros, de infraestrutura de energia, comunicação e mídia, turismo e showbiz. Eles se digladiam na luta para sobreviver, conforme a regra básica do capitalismo – quem não tem competência não se estabelece; mas quem possui capital e bons contatos, leva vantagem. É nesse contexto que aparece o jogo dos que, apontando a crise e falando da deriva, clamam por mudanças que os favoreçam.
Além disso, não se pode ignorar o impacto das mudanças climáticas sobre o comportamento das pessoas, das comunidades, das empresas e das nações. Já estamos vendo como um grau a mais na temperatura média produz alterações em toda a natureza. Ventos mais fortes, chuvas mais intensas, metabolismos acelerados são alguns dos sintomas que começam a ser detectados por estudos preliminares e até por evidências percebidas por leigos. O que fazer?
É desumano apostar na exacerbação dos conflitos. O “quanto pior, melhor” agrava relações naturalmente desiguais.
Seria desejável que, diante de um quadro de maiores dificuldades, todos aumentassem o grau de solidariedade. Que se organizasse um ajuste humanista capaz de reduzir o grau de desigualdade vigente entre pessoas, países e regiões.
Assim, no compasso dos ajustes, se poderia estabelecer uma racionalização benéfica para a economia em geral e para o exercício da política. Somente a humanização do nosso sistema de vida será capaz de amenizar a crise moral em que se debatem o Brasil e o mundo.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A Terra proporciona o bastante para satisfazer a necessidade de cada homem mas não a voracidade de todos os homens”
Gandhi