A vida interfere nos sonhos e por isso…
Existem três pontinhos na gramática universal que nada dizem e nada contam, mas deixam no ar uma infinidade de interrogações, suposições, e infindáveis possibilidades – Ela sorriu, e ele… A imaginação do leitor dispara – o que ele fez ou deixou de fazer por depois desse sorriso? Um beijo ou uma bofetada? Ele sorriu também ou rodou nos calcanhares e sumiu no ar? Mil interrogações podem estar implícitas em apenas três pontinhos alinhados como soldadinhos no sete de setembro.
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Se não está estudando para o ENEM, poucos sabem que o nome dos três pontinhos no fim ou no meio da frase é reticências. Em inglês, ellipsis, ou mais popular, dot-dot-dot. Quando estudava inglês para o vestibular, Joana achou a palavra linda e batizou a filha: Ellipsis Maria. Mal sabia ela que, 18 anos depois, viria estudar em Miami. E não deu outra, “Ei, Dot.dot.dot, que tal uma…” As frases nunca terminavam, e a garota por fim…
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Um minúsculo ponto solitário põe fim na sentença, no recurso, na transação, no conto, no romance… Pode ser definitivo: Ponto final, acabou, some da minha vida! Ou pode ter reviravoltas inesperadas. Seis meses depois: Voltei e pedi perdão. E a idiota te perdoou? Não me respondeu ainda. Mas três pontinhos alinhados tipo unidos-venceremos, trazem outras inferências, como uma omissão opcional: Nada a declarar… Ou para economizar palavras: Fui, gostei, fiquei… A melhor performance, porém, é para indicar mistério, segredos, incertezas. Se alguém disser que você é cheia de reticências, está dizendo que não é confiável ou misteriosa?
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Era meia noite, e chovia… Sempre sonhei escrever um conto de mistério ou policial com esse título, mas… A vida interfere nos sonhos e por isso… O uso de reticências pode indicar falta de tempo ou de assunto. Conheci um autor que ficou famoso com apenas um livro: “Assim falou…” E nada mais revelou – páginas e páginas em branco. Convenhamos, nem precisava. Vendeu feito moeda de 20 centavos por 15 e meio.
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Muitos autores usaram os três pontinhos por causa da fita na máquina de escrever. Quem teve uma daquelas pesadas Remingtons de outrora e sobreviveu, deve se lembrar de como era difícil trocar a fita, que ainda deixava uma sujeira nos dedos. Professora: Joãozinho, por que você escreveu apenas duas linhas na sua redação? Cabô a fita, Fessora! Ah, tudo bem. Vou dar nota… Fessora, cadê minha nota? Acabou a tinta do meu tinteiro.
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Reticências deixam espaço para infinitas interpretações, revelando a personalidade ou o estado emocional de cada um. Eles se encontraram e… O pessimista: tive que chamar duas ambulâncias. O otimista: tudo voltou a ser como era antes. O cobrador: a dívida foi liquidada. O paciente: o resultado do exame foi um alívio. A criança: descobri que Papai Noel não existe. De Mario Vargas Llosa: “Palavras não me definem… reticências, talvez”.
