Domingo, 28 Abril 2024

Escreveu não leu...

 

Houve um tempo em que uma página em branco e um lápis com ponta bem afiada era tudo de que se precisava para escrever alguma coisa – fosse um pequeno poema inútil, um conto sem pé nem cabeça ou o próximo romance do século. Os tempos mudam, e me vejo diante da triste realidade - há quanto tempo não escrevo à mão, além da lista de supermercado?
 
Jamais escrevi qualquer obra de ficção na máquina de escrever. Era primeiro no papel, e qualquer um servia, em qualquer lugar. Só depois, com tempo e paciência, ia batucar na velha Remington o que havia rascunhado. Ou na Olivetti, ou na Cassio, que muitas tivemos, chamadas máquinas de datilografar. Mas veio o computador e tudo mudou, eliminando a fita, o papel carbono, o líquido corretor, e até nossos erros. Bem, quase todos.   
 
Com o advento dos malabarismos do Windows, onde tudo é possível, a escrita nunca mais foi a mesma. Errou? Apaga e escreve de novo. Ou conserta, rearranja, remove, rejeita, estica, reduz. Vive-se uma vida escrevendo diariamente, sem conhecer ou utilizar todos os seus segredos. Mas também o ato de digitar está ameaçado de extinção – seja no computador, no ipad, no celular, ou em que outro milagre inventem.
 
Já se espalham por aí os aparelhos com comando de voz, que fazem tudo que mandamos – basta dizer o nome, e eles fazem a chamada , ou recebem e cancelam chamadas, enviam e leem emails, nos levam a qualquer endereço, etc, etc. Teremos sempre à mão algum aparelho que escreva para nós, de quebra nos livrando da letra feia e da letra ilegível do médico em nossos receituários. E sem exames grafológicos confirmando que escrevemos a carta do sequestro.
 
O futuro não mora tão longe assim. As escolas primárias americanas não estão ensinando a escrita cursiva na alfabetização dos alunos. Será o  primeiro passo para um futuro sem escrita manual? As futuras gerações não vão mais escrever, seja em cursiva ou em letra de forma, porque terão aparelhos para  transformar a voz  em escrita. A velha arte de escrever, que deu início à nossa civilização,  ficará tão obsoleta como o fogão a lenha e relógio de sol.
 
O currículo escolar americano hoje se rege pelo CAT, o exame que os estudantes do 3º  ao 11º grau fazem para avaliar a qualidade do ensino. Como tudo que uma escola precisa é de uma boa classificação – leia boas verbas – só ensinam hoje o que cai nesses testes. Entre outras aberrações, eliminaram a escrita cursiva, pois o aluno não tem que escrever nos testes, e o que vai ler está em letra de forma.
 
Desde o primeiro grau, os alunos  já fazem uma parte dos deveres de casa no caderno, outra parte no computador.  Uma escola de segundo grau na minha área eliminou totalmente o papel. Os alunos têm Ipads (obrigatórios), e toda a vida escolar se concentra nesse aparelhinho – lições, testes, leituras, deveres de casa, etc. É o começo do fim da velha arte de escrever à mão, como vai agonizando também o velho hábito de ler um livro. Quem viver sofrerá.

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Domingo, 28 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/