Segunda, 29 Abril 2024

​Espaço existencial

Desde Immanuel Kant, a liberdade é característica humana ocidental. Este ser livre, dono de sua trajetória, também constrói seus próprios grilhões, principalmente para viver em sociedade.

A universalização do comportamento busca neutralizar a individualidade e promover o comum e, por isso, muitas das vezes, as pessoas deixam de ser elas mesmas para atenderem a um modelo de ser. Romper essas barreiras tem preços altíssimos, por isso a sociedade anda em passos tão lentos. As mudanças agridem e precisam do enfrentamento para se estabelecerem. Além disso, existe o exercício do poder, que rapidamente percebe o quanto a padronização facilita a organização da sociedade e, por isso, todo rompimento com o que já está estabelecido traz problemas.

Qualquer alteração ao comportamento comum tem ar de anormalidade e a sociedade é implacável em sua correção. Na verdade, o senso comum tende a confundir o comum com o normal.

Bons exemplos acontecem na educação, onde as mudanças são lentas e difíceis, inclusive para o acesso de novos professores, vez que os editais privilegiam as idades mais avançadas como critério de desempate. Além disso, pode-se observar que mesmo alterações estabelecidas por lei, como o caso da Lei nº 10.639, já com 20 anos de existência, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira em escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio, sofrem a pressão do preconceito, obrigando muitos professores a justificarem-se, junto à comunidade escolar, por qualquer projeto de inserção na cultura afro com referência religiosa. Isso sem falar da intromissão de políticos conservadores fazendo seus palanques.

Não por acaso, a formação educacional dos novos cidadãos e cidadãs é sempre mais conservadora e menos libertária, ficando muito difícil enxergar a inovação ou qualquer mudança significativa no nosso modo de viver a partir das novas gerações. Contudo, à despeito de tudo isso, com a disponibilização cada vez maior de informações por meio da internet, o ambiente escolar, fundamentalmente o chão da sala de aula, vem sendo profundamente afetado, mas deixarei esse tema para um próximo texto.

A compreensão da incompletude humana evidencia a necessidade de espaço para comportamentos diferentes do comum. É preciso estarmos abertos ao novo para que a humanidade possa se revelar a partir do indivíduo. Contudo, este comportamento de abertura exige alteridade empatia e tolerância. Esta alteridade, ou consideração da outridade (o outro, diferente de mim), precisa de espaço para se manifestar, sob pena de se travestir da igualdade, enquanto aguenta, para que no comportamento comum possa se sentir e principalmente parecer "normal".

Depois de muito espremido, o ser social, geralmente por meio da juventude, irrompe trazendo a novidade, sofre a perseguição dos defensores da "normalidade" até que a sociedade o aceite, como temos visto nos termos da identidade de gênero, dos modelos de união e família, dentre outras manifestações de uma nova ética.

Enfim, muito mais que regulamentos para anular o indivíduo em prol da sociedade, com sua hipócrita normalidade, seria nobre o combate à normose para a liberdade de expressão e condição de expansão do indivíduo.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Segunda, 29 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/