O Pix representa um sistema de pagamentos inovador
A partir do anúncio, pelo governo norte-americano, da abertura de uma investigação comercial contra o Brasil, com foco sobretudo em supostas irregularidades no Pix, bem-sucedido sistema de pagamentos do país, logo se percebeu que se tratava de um pretexto para defesa dos interesses das big techs dos Estados Unidos. A medida do governo Trump foi anunciada pelo USRT, sigla em inglês que se traduz por Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos, em que se alega que o Pix estaria prejudicando empresas norte-americanas que atuam no setor de pagamentos.
Tal medida vem junto ao pacote do tarifaço, que se fia na falácia de caça às bruxas, levantada por Trump, em relação à possível condenação penal de Jair Bolsonaro (PL) no Brasil, o qual já se encontra inelegível. Ainda se soma a isso o argumento, que beira a bufonaria, de que a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos teria um suposto déficit contra os norte-americanos.
O Pix foi desenvolvido durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e lançado em 2020, já no governo de Jair Bolsonaro. Atualmente, o sistema de pagamento possui mais de 170 milhões de usuários. Portanto, a grita norte-americana se trata de um movimento que se insere num contexto de competição tecnológica, em que os Estados Unidos sempre visam tirar do caminho qualquer tipo de tecnologia que não esteja sendo gerida dentro do país ou sob seu controle.
O Pix representa um sistema de pagamentos inovador e com grandes níveis de adesão no Brasil. A acusação de deslealdade é mais uma retórica enviesada, pois, na verdade, o problema vem acontecendo desde 2020, em que a Meta, do CEO Mark Zuckerberg, que é o antigo Facebook, se considera prejudicada em uma disputa entre a empresa e órgãos do governo brasileiro.
No caso, a operação do WhatsApp Pay, que pertence à Meta, foi lançada em junho de 2020 no Brasil, o que permitiria pagamentos através do aplicativo, numa parceria com a empresa Cielo, numa época em que o país já tinha cerca de 120 milhões de usuários do WhatsApp. Entretanto, esta mesma operação foi suspensa pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por meio de medida cautelar.
Nesse caso, por conseguinte, o Cade avaliou que a Cielo já tinha uma participação vantajosa no mercado brasileiro de credenciamento de captura de transações, além de existir uma base de milhões de usuários do WhatsApp, o que daria um poder significativo para o sistema de pagamentos da Meta, dificultando a replicação do modelo por concorrentes da Cielo, pois havia um acordo de exclusividade entre a empresa e o WhatsApp.
Para piorar a situação da Meta, em novembro daquele ano, o Banco Central lançou o Pix. Por fim, quando o Cade reverteu a decisão de suspensão do WhatsApp Pay, autorizando o seu lançamento no Brasil, o serviço não conseguiu adesão da população. Tal contexto reafirma o fato de que essas empresas de mobile commerce que tentaram monetizar suas mídias sociais não deram certo aqui no país.
Por sua vez, o argumento do governo norte-americano em relação ao Pix não se fundamenta, também, pelo fato de que quem utiliza esse serviço no Brasil compõe as classes C e D, sendo que muitos são desbancarizados e abriram contas em bancos digitais, o que implica no crescimento de empresas como Nubank, PicPay e Mercado Pago, sem qualquer concorrência, por parte do Pix, com empresas como PayPal, Google Pay ou Apple Pay.
Mesmo que possa haver impacto em empresas como Visa ou Mastercard, com o Pix superando o uso de cartões de débito e de crédito no Brasil, a questão é política, envolvendo indivíduos específicos, que são CEOs de tecnologia associados ao cofundador do PayPal, Peter Thiel. Tais figuras exercem influência enorme e possuem aliados que ocupam cargos-chave no governo Trump, incluindo o vice-presidente J D Vance.
As big techs, portanto, tentam justificar suas dificuldades por uma concorrência desleal quando, na verdade, essas empresas devem se adaptar ao mercado brasileiro como ele está constituído no momento, em que se tem um sistema bancário e de fintechs bem estabelecido, entregando qualidade para uma população sem renda, num contexto histórico de altos índices de inadimplência, e ainda assim, gerando receita e oferecendo outros tipos de serviço.
A questão política, por sua vez, vai além e se estende a medidas de retaliação a países do Brics que discutiram alternativas ao dólar nas transações comerciais, no intuito de valorização de outras moedas. Nesse debate, cogitou-se sobre o Pix como um candidato potencial para ser base de pagamentos internacional, além de ter sido tematizado, ainda, reformas no Fundo Monetário Internacional (FMI). Contudo, o sistema internacional de pagamentos possui instituições consolidadas, em que é usado o Swift, uma plataforma criada na década de 1970.
No momento, a ameaça do Pix ainda é pequena, se tratando de uma reação, por parte do governo norte-americano, de negociação preventiva. Por fim, temos um grande grupo de lobby financiado pelas Big Techs dos Estados Unidos, que tem como membros a Meta, além da Apple, Google, Microsoft, Amazon, Pinterest, Uber e E-Bay, se relacionando, por conseguinte, com as ameaças do governo Trump de investigação das práticas comerciais do Brasil, junto a medidas de aumento de tarifas de importação sobre os produtos brasileiros.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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